A Cantada e o Bom Negócio
“... Para não expor nossos defeitos acabamos comprando gato por lebre...”
Já andava com saudades dos "Causos"do mundo sertanejo que conheci pelas narrações do Chico Português (meu pai), Manéarbino, trabalhador , hábil no manejo da foice e do macahado, participou do desbravamento do Norte do Paraná. Trabalhava de terça a sexta. O tempo restante passava no patrimônio de Roseta bebendo pinga. Só contava "Causos" quando estava longe da "marvada". E ainda tinha o Zé Olímpio que tinha fama de ser contador de mentiras... Mas é por aí que vamos...
O "Causo"a seguir não sei direito sua origem. Não sei se li ou se "escuitei". Seguem as características dos personagens:
Zeferino - Matuto de origem remota de família nordestina, (daí seu nome). Dono de um bom pedaço de terras, de cujas escrituras nunca ninguém teve notícias. Correr as divisas era impossível, (até por que não precisava). Criava gado, sem raça, soltos naquele mundão. Muitos cavalos pra lida e pro transporte. E burros pra trabalho na lavourinha de milho, arroz, feijão etc. É lógico que pra fazer fartura tinha porcos, galinhas, patos e perus. Enfim uma propriedade igual a uma infinidade de outras na região. Gostava de andar num "cavalão", bem arreado, com muitas argolas para servir de enfeite. Era, para a época, considerado maduro, com mais ou menos 35 anos. Embora casado há mais de 3 anos não tinha filhos. Ninguém sabia por quê.
Nica (Ana Maria) - 20 anos. Muito bem casada com Zeferino, por quem nutria muito respeito e, quem sabe, amor. Era muito bonita. Morena clara, alta, esguia, cabelos negros e sempre brilhantes por natureza. Olhos claros, entre o azul e verde. inteligentíssima. Muito conversadeira e desembaraçada. Gentil e alegre. Tratava com muita simplicidade os camaradas (trabalhadores agregados à sua propriedade). Sempre parolava sobre tudo com todos.
Zé Eleutério - Vizinho, dono de uma propriedade que produzia mais pela quantidade de terras do que pela dedicação ao trabalho. Casado nem sei direito com quem. Pai de uma "escadinha"de 5 filhos. Idade de 25 a 30 anos. Gostava muito de ser bonito (e até que era). Andava sempre bem vestido e perfumado. Não gostava de chapéu porque poderia ocultar sua vasta cabeleira, sempre regada a uma boa mão de " Brilhantina Glostora". Não sabia, mas era um galeanteador.
Sereno - Burro, "pelo de rato", roncolho, condição física que o tornava extremamente inquieto. Só ficava no pasto quando queria. No entanto muito bom no trabalho. Arrastava uma carpideira como nenhum de sua espécie. Não precisava de rédeas. Bastava o som emitido pelo "passadô de bico"(vem, vem, significava voltar à esquerda e pruuu, pruuu, era virar pra direita). Sua inquietude fez com que, um dia, na hora do almoço do "passadô de bico", se afastasse vindo a cortar o "machinho" (tendão do pé direito). O corte sarou, mas ficou mancando da perna direita. E animal manco não tem valor comercial. Mesmo que seja muito bom no trabalho.
Diante do exposto, vamos voltar ao nosso casal. Conversavam muito, como é próprio de duas pessoas que se respeitam e se dão bem. Zeferino sempre se queixava do acontecido com o Sereno. Burro bom que, se fosse perfeito valeria mais de 7 000 Reis. Mas agora com esse problema, se achasse 2 000 já estava bom. Enquanto não aparecesse negócio, ia levando... Afinal pasto tinha bastante...(Atenção pessoal da Semana encerrar aqui a 1.a parte).
(2.a parte) Um dia Zeferino falou pra Nica que no dia seguinte teria que ir ao vilarejo visitar dois açougueiros pra negociar um lote de "capados" que já estava passando do ponto. Assim que o sol se elevou (mais ou menos 9 horas), Zeferino saiu. De longe Zé Eleutério, que estava consertando uma cerca que tinha uns arames frouxos, viu o compadre pilotando seu alazão marchador em direção ao povoado. O Capetinha de plantão do Zé Eleutério soprou-lhe no ouvido que seria uma ótima oportunidade de trocar uns dedinhos de prosa com a comadre Nica, sem os cuidados enciumados do compadre Zeferino por perto. E foi. Chegando foi logo com aquela conversa de sempre: "Será que chove?" Ah! Compadre! nem sei, mas "num tá memo carecendo"... E a conversa continuou cada vez mais mole. Até que ele tocou no assunto de diferença de idade entre os membros do casal. Ela foi fazendo-se de desentendida. E ele indo cada vez mais fundo. Inquirindo se ela gostava do compadre... Se ela, por não ter filhos, não se sentia muito só naquele "Mundão"... Se ela não tinha vontade de experimentar coisa nova e muito mais interessante... Nisso nossa heroína, que não era nada simplória, retorquiu se o compadre estava propondo alguma coisa pros "lados do pecado?" Diante da resposta afirmativa ela falou: Por mim não tem problema, mas gostaria de consultar o Zeferino. Essas coisas de prazer passam depressa e "num carece ninguém ficaá sabendo", apressou-se em dizer o "garnizé com espírito de pavão"... Nisso aponta na curva, Zeferino, que havia esquecido uma amostra de feijão que queria levar pro João Nogueira da máquina de benefício de arroz. Que bom que você voltou, Zeferino! Foi ela se apressando em dizer. O compadre Zé me fez uma proposta e eu não quis aceitar antes de te consultar! Antes que o Zé pudesse escapar do frio que lhe desceu espinha abaixo, a comadre exclareceu que ele veio dizer que está interessado no Sereno e fez uma oferta de 7 000 reis, à vista!... "Ora compadre Zé! Os vizinhos veve pra servi um ao outro"... E o negócio foi fechado...
De volta pra casa, com o Sereno de "barbicacho", manquitolando atrás, Zé Eleutério não sabia se ficava com raiva da "gata arisca" ou se passava a gostar mais dela pela sua inteligência, desembaraço e principalmente, FIDELIDADE. (Oldack/08/03/010). Tel. 018 3362 1477. X '