Zezinho da foicinha!
Givanildo, um incansável trabalhador, logo de madrugada lançava mão de sua foicinha e saia carpindo um imenso matagal, que lhe dava o sustento e de toda a sua família.
Fazia isso de forma contumaz e era até conhecido nas cercanias como Givanildo da foicinha.
Certo dia, 'convocado' pela esposa para almoçar, distraiu-se e 'depositou' sua foicinha em local que não conseguiu recordar-se quando retornou à lida.
Procura daqui, procura dali, chamou esposa e filhos para que o ajudassem na busca. Depois de muito tempo, 'ressabiados' retornaram para casa sem atingir seu intuito. Givanildo, cabisbaixo, comentou com sua esposa Griselda:
--- Qui é qui eu façu agora sem a minha foicinha?
Vira pra cá, vira pra lá, sem conciliar o sono, Givanildo levantou-se antes do que fazia normalmente dirigindo-se para o alpendre.
Estava em seus devaneios 'foicísticos' quando ouviu uma tênue voz que bradava, vinda lá de seu portão:
--- Ô de casa! Seu Givanildo,..., Dona Griselda...
Givanildo, estranhando bastante haver alguém, que pela sonoridade da voz parecia tratar-se de uma criança, dirigiu-se ao quintal em direção ao portão e lá deparou-se com um franzino menino que foi logo dizendo:
--- Oi, seu Givanirdo! Achei sua foicinha...
O 'incansável trabalhador', visível surpresa estampada na face, exclamou:
--- Cê tá falanu verdade? Quede ela?
O menininho estendeu seus frágeis bracinhos em direção à Givanildo, entregando-lhe o precioso instrumento de trabalho.
Givanildo quase 'arrancou' a foicinha das mãos do menino, atropelando as indagações:
--- Brigadu, minininho! Cuma é seu nome? Onde ocê achou minha
foicinha? Venha, entri cumigo... vamu tumá um café cum bolu qui
a Griserda feiz...
Um tanto quanto 'ressabiado', o menininho respondeu:
--- Eu sou o Zezinho... Achei sua foicinha nu mei du canaviar, caida
no chão, cuberta pru argumas foias...
Givanildo vociferou:
--- Brigadu Zezim … Vamu intão tumá nossu café...
Agarrado à foicinha, Givanildo seguido pelo menino, com passos acelerados dirigiu-se imediatamente para o interior da casa, bradando:
--- Griserda! Tô cum minha foicinha. Um minininho achô e mi troxe
ela... Vamu dá um bom café cum bolu pra ele...
Devidamente preparada por Griselda, que já encontrava-se de pé quando notou que o marido havia levantado mais cedo, a mesa modesta continha um fumegante café, puríssimo leite que retiravam das cabras que circulavam pelo quintal, um pão caseiro que Griselda preparava com muito esmero e o 'decantado' bolo, que o menino observava com muita voracidade...
Logo, estavam os três sentados ao redor da mesa degustando as iguarias que se lhes apresentavam.
Desjejum feito, partiram Givanildo e o menino, após cruzarem o portão, cada um para uma direção. Givanildo para sua lida e o menino, supostamente, para sua casa...
Com o 'sol a pino', 'agarrado' à sua foicinha, satisfeitíssimo pois conseguira colocar seu trabalho em dia, retornou Givanildo para casa para almoçar. Ao chegar na entrada, notou a presença de Zezinho encolhidinho ao lado do portão.
Dirigiu-lhe a palavra:
--- Minininho! Qui é qui tá fazenu pru aqui?
Cabisbaixo, o menino respondeu:
--- Tava brincanu aqui pru perto...
Givanildo sorriu e convidou:
--- Tô inu almuçá! Qué almuçá cumigo?
Nem precisou repetir o convite. O menino, lépidamente, posicionou-se atrás de Givanildo, seguindo-o em direção à casa.
Almôço realizado, seguiram Givanildo para prosseguimento de sua lida e o menino, supostamente para sua casa.
Bem no finalzinho da tarde, retornou Givanildo para casa após um exaustivo dia de trabalho, haja vista ter 'dado tudo de si' para compensar a metade do dia que havia perdido com o suposto 'sumiço de sua foicinha'...
O episódio ocorrido em sua volta para o almôço repetiu-se...
Lá estava, encolhidinho em um canto, Zezinho com ar 'pidão'...
Givanildo não se furtou em fazer-lhe novamente o convite para o repasto, o que obviamente, não foi recusado pelo menino.
Sobremesa degustada, partiu o menininho supostamente para sua casa e Givanildo para seu descanso...
No dia seguinte, repetiram-se os eventos ocorridos no dia anterior, contando sempre o menininho com a receptividade do 'muito agradecido' Givanildo.
Porém, …, isso foi prolongando-se no tempo...
Griselda, de forma comedida, argumentou junto ao companheiro:
--- Givanirdo! Será qui u Zezim num tem famila? Eli tá sempri aqui pru
pertu...
Givanildo, respondeu também comedidamente:
--- Sei não, Griserda! Achu qui o pobrizinho num teim famila... Vou
tentá discobrí arguma coisa sobri eli...
Dito e feito. Givanildo conseguiu conciliar um momento de descanso em sua lida com uma breve ida até o armazém do Bio, onde reuniam-se alguns beberrões que tudo sabiam a respeito do que ocorria pelas cercanias. Por lá soube que o menininho tinha sim uma família e que era dado a aproveitar-se de situações fortuitas, não querendo saber de escola e de ajudar seus pais em suas lidas. Soube ainda que o menininho vivia ultimamente a gabar-se de que havia escondido uma ferramente de trabalho de um bobalhão e que depois havia ido devolver como se a tivesse encontrado 'por acaso'...
Givanildo voltou para a lida possesso por estar sendo feito de bobo por aquela criança. No entanto, de boa índole, conseguiu suportar tudo e ao entardecer, ao retornar para sua casa, novamente encontrou o menino que o aguardava junto ao portão.
Procedeu normalmente, convidando-o para o repasto.
Depois de que menino retirou-se, contou para a esposa tudo o que havia ouvido lá no armazém do Bio.
Griselda, no inicio, ficou indignada com a atitude daquela criança que eles estavam tratando tão bem e que até já estavam acostumando-se a ter ao redor da mesa em suas refeições.
No entanto, não poderiam deixar que 'a coisa' continuasse a acontecer. Precisavam dar uma lição no menino, para não contribuir com sua má formação que certamente o levaria a deliquencia quando atingisse uma idade maior...
Plano elaborado, no dia seguinte, como de praxe, logo ao amanhecer, lá estava Zezinho à espreita no portão aguardando pelo desjejum.
Agindo normalmente, Givanildo dirigiu-se até ele convidando-o para entrar.
Mesa posta, iguarias disponibilizadas, pôs-se o menino ávidamente a consumir, sob os olhares dos anfitriões. Pouco ingeriu o menino naquela manhã, ouvindo sermões dos mais diversos que eram 'conversados' de forma impessoal por Givanildo e Griselda, que dentre muitos, abordavam o fato de que havia algum muito Superior que castigava aqueles que agiam de forma desonesta e premiava aqueles que seguiam sua vida de forma honesta e trabalhadora.
Rapidamente, o menino, diferentemente do que fazia habitualmente, deu uma desculpa e antecipou-se à saída do anfitrião, retirando-se apressadamente.
O casal, lado a lado, postados na porta da casa, comentaram:
--- Pois é, Griserda! Depois de tumar esti café sargado, bolu sem
açúca, mantega rançosa, acridito que nossu amiguinho Zezim da
foicinha num vorta mais…
--- Só si quisé conferí si nu armoçu tudo vortô au normá...
Nem precisaram mais preocupar-se com a presença do menino em seus repastos. Nunca mais tiveram a presença do garoto ao redor de sua mesa.
Passados os anos, souberam que havia na cidade um doutor José que contava para todo mundo que havia recebido uma lição de uma família humilde e que graças a eles havia decidido estudar, ajudar seus pais e conseguido ascenção em sua vida.