Um pouco de Dário!
Um pouco de Dário...
(Theo Padilha)
Meu pai contava que no seu tempo de criança, levara uma vida muito sofrida. Criado sem o pai e sem a mãe rolou na mão dos parentes. Entretanto essa vivência lhe adicionou muito brio. E depois, ainda criança, talvez pelas conseqüências, acrescentou mais uma letrinha antes de “brio”. Ébrio. Que o acompanhou por um bom tempo. Poeta, repentista, bailarino, sonhador, valente, tinha muita admiração pelo Francisco Alves, com quem se achava parecido, e sempre curtia e declamava a música de Vicente Celestino – “Ébrio”.
Ainda muito criança, chegou a cuidar de um sítio do seu tio Damas. Contava-nos que tinha que dormir sozinho num ranchinho quase à margem de um rio. E durante muito tempo ele via, pelos buracos da parede, índios lavando suas caças no rio. Fora as suçuaranas que passavam por ali para beber água. Nesse pedaço de história, podemos ver a disciplina dos índios que não mexiam na casa dos outros. Que só atacavam se fossem atacados. Assim como os animais ferozes. Se fosse hoje...
Já moço, começou a compor poesias, baseado em Cassemiro de Abreu, Castro Alves, Augusto dos Anjos, etc. Desse último, ele declamava nos bares, nas suas horas de chuva, alegria e cachaça, e acabou declamando, mesmo depois de sua doença mental: “O Noivado no Sepulcro”. Era comum ele chegar a casa de madrugada, cantando:
“Mulher formosa que adorei na vida
“E sob essa tumba não deixei de amar...”
E finalizava:
“Do Dário morto, que na terra jazz!...”
O “Veio” Dário, adorava caminhar. Era quase um andarilho. Por qualquer motivo ele pegava um sobretudo roto e caía na estrada. Foi assim que ele conheceu a minha mãe. Ele chegou a Campos Novos, pequeno lugarejo de Santa Catarina, caminhando. Foi pedir trabalho numa fazenda que pertencera ao meu avô, Avelino de Oliveira.
Ali ele trabalhava e dava aulas a noite nas casas da fazenda. Certo dia, uma, das várias filhas do patrão começou a paquerar com Dário. Era a mais nova, Valdivina. Ainda tinha, na ordem crescente das moças, a Vivaldina e a Osvaldina. Então o professor Dário, foi à presença do patrão:
−Bom dia, seu Avelino! – disse Dário com a voz empostada.
−Bom dia, seu Dário, o que manda vossa mercê? – pergunta o patrão, colocando os óculos.
− Durante as aulas, uma das suas filhas, tem me olhado muito, e acho que nós estamos nos amando! – responde o rapaz, empinando o peito, e olhando-o nos olhos. O velho mais que depressa chamou:
− Espere um pouco, Dário, vamos ver! Minhas filhas venham até aqui à sala!
− Qual de vocês está querendo namorar o Dário? – perguntou com muita seriedade Avelino.
− A Valdivina! – responderam em coro, as duas irmãs mais velhas.
O patrão de Dário pensou um pouco e foi falando:
− Nós temos na família Oliveira uma tradição. Isso remonta há muitos anos. Lá no Rio Grande, onde fomos criados, existe um costume sobre o matrimônio que talvez você não conheça! Então é nossa intenção casar primeiro a filha mais velha. Para que ela não fique empacada, depois as outras.
−Assim sendo Sr. Avelino, acho bom nós esquecermos este episódio! – disse Dário, apertando o chapéu contra o peito dilacerado.
− Nada disso! Você é um rapaz muito bom, e não posso deixar de tê-lo como meu genro! – sorriu Avelino. E continuou:
− Por que você não pede a mão da filha mais velha? A Osvaldina. Ela é bonita e muito trabalhadeira!
− Eu não sei se ela me quer! – arriscou o Dário, perguntando.
− Você quer casar comigo, Osvaldina?
− Se você me ensinar a ler, eu quero!
E assim Dário marcou o casamento. E viveram durante muitos anos. Só que Osvaldina morreu sem aprender a ler.
Joaquim Távora, 13 de dezembro de 2011. – All the rights by Theo Padilha©