A menina e as uvas

A menina e as uvas

Glorinha era muito esperta. Gostava especialmente das festas de fim de ano. Nos seus sofridos e desiludidos dez anos, já vira muita coisa, com seus pequeninhos olhos escuros e curiosos. Era muito estudiosa e era a melhor aluna de sua turma. Quando dezembro chegava ela já estava de férias e podia acompanhar sua mãe ao trabalho. Adorava entrar e sair de tantas casas de luxo e apartamentos. Era a rotina da mãe. Ela já estava aprendendo a fazer alguma coisa para ajudar. Gostava de ficar especialmente na cozinha, pois podia sentir o aroma delicioso das frutas, e ver os diferentes pratos serem preparados e servidos.

Algumas patroas eram boas e doavam alguma coisa como presente de fim-de-ano. Outras deixavam a chave, e o dinheiro em cima da mesa e nem apareciam. Certa vez, Glorinha ficou parte da manhã na cozinha, namorando uns cachos de uva verdes tipo Itália. Podia sentir o cheiro das uvas lá da sala. Ficou doidinha para provar uma que fosse. Já estava inquieta, mas observava sempre o que sua mãe lhe ensinara. Não tire nada do lugar, não coma nada escondido, não abra a geladeira, e outros pequenos ensinamentos que ela conhecia muito bem, e que sua mãe lhe recomendava toda vez que as duas colocavam os pés na rua para ir ao trabalho.

Voltaram para casa cedo, o apartamento era pequeno, e muito limpinho. Faltava apenas dois dias para o Natal. Estavam no mercado quando Glorinha parou em frente às uvas e ficou alucinada imaginando como desejava comê-las. Sua mãe deu-lhe uma cutucada e perguntou: - Quer que eu leve algumas? São iguais aquelas que estavam na cozinha do apartamento da Dona Gilda. Ela mesma me disse que neste mercado são fáceis de encontrar. Glorinha não cabia em si de contente quando viu sua mãe comprar dois quilos de uva e levar para casa.

Em casa, a mãe de Glorinha ocupou-se com seus afazeres, lavando e passando roupa que se esqueceu da menina na cozinha. À noite quando Glorinha recusou o jantar, a mãe achou estranho, mas não falou nada. Viram um pouco de televisão, o pai jantou e foram todos dormir.

De madrugada a mãe de Glorinha acordou assustada com a menina passando mal. Nunca tinha visto sua filha naquele estado. Parecia verde, como todas as uvas que comera escondida na cozinha no fim da tarde. Glorinha passou o Natal internada numa unidade de terapia intensiva infantil, parecia que estava embriagada, pois a tonteira, o enjoo, e as dores que sentia no ventre não passavam. Após quatro dias teve alta e voltou para casa. Nunca mais pode ouvir a palavra uva ou sentir o cheiro desta fruta.

Aradia Rhianon
Enviado por Aradia Rhianon em 12/12/2011
Código do texto: T3384212
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