O LEITE DA PULGA

A lembrança que carrego da infancia é como uma fuligem petrificada, que vez por outra ressurge na cinza do meu pensamento, trazendo-me de volta o mesmo sabor, e as mesmas emoções vividas na infancia e adolescência. São as fantasias na tela do passado, que não se apagam porque estão eternizadas no memorial de minha de mente, desenhadas pelo tempo. Uma paisagem mantida pela saudade estampando os mais belos momentos de um menino feliz que amou de paixão os pais e os irmãos. Ao voltar no tempo sinto os sabores e os perfumes, com o mesmo gosto de outrora. Ouço o timbre de voz daqueles com quem convivi com o mesmo sotaque a mesma rigidez, e a alegria característica do sertanejo com a sua cultura de então.

Mais importante do que preservar esta recordação, é o desejo em mantê-la viva alimentando Minhalma e o meu coração. O saudosismo da humildade de um cotidiano movido pela simplicidade com aquela chama de amor assinalando a história de um tempo, em que podia ser feliz, mesmo de mãos vazias. A confiança e a amizade solidária, configuradas naquele convívio sadio emanava uma paz imorredoura. Se por um lado havia carências, pelo outro se respirava tranqüilidade.

Parece inacreditável a velocidade atingida pelo homem, encurtando distancias tornando accessível o inatingível, mas ao mesmo tempo destruindo os valores repassados pela tradição. No meu tempo de menino o relacionamento social era dificultado somente pelas distancias. Todo lugar era longe mesmo dentro de um mesmo município, as péssimas condições das estradas somadas ao meio de transporte que além do pé, limitava-se ao cavalo, o que, aliás, era privilégio de poucos.

Nossa propriedade era ponto para pousada de boiadeiros. Era comum, comitivas pernoitarem nas varandas do paiol bem ao lado de nossa casa. Papai foi um homem formidável e hospitaleiro, relacionava muito bem com aqueles andarilhos que cortavam os sertões tangendo suas boiadas e nos trazendo informações de logradouros distantes. Um relacionamento que nos rendeu vários conhecimentos. Eu adorava bater papo com aqueles peões e os invejava pelas andanças, ouvir seus causos e suas aventuras foi sempre um bom aprendizado.

Outro fator de suma importância, naquela época foi à alimentação porque dependia mais da intempérie climática do que propriamente do trabalho humano. A seqüência de veranicos destruía anos e mais anos de trabalho, como ocorreu no nordeste, uma triste realidade que forçou a grande imigração de sua população.

Muitas vezes as alternativas para a sobrevivência não era suficiente, e muitos não tinham como lançar mãos delas.

Algumas alternativas eram fatos até pitorescos, eu, por exemplo, fui criado, mamando leite de égua um produto excelente, sadio, porem com o cheiro horrível. Não só eu, mas alguns de meus irmãos tiveram que ser alimentados desta forma. Certo dia enquanto me divertia encarapitado na cerca do curral, apreciando uma boiada que seu capataz vistoriava, inclusive curando algumas bicheiras; mamãe me chamou dizendo: - vá buscar a pulga que seu irmão está querendo mamar! Entretido brincando e apreciando aquela confusão de chifres cores e formatos de cada animal se misturando, eu demorei um pouco, ela esbravejou: - menino eu já não disse pra buscar a pulga pra tirar o leite, seu irmão está com fome!- sai rápido fui cumprir sua ordem.

Mais tarde um pião me perguntou:

– Menino sua mãe estava brava com você, que negocio é esse de tirar leite de pulga? – Não moço pulga é o nome da égua que alimenta meu irmão! -Ah tudo bem imaginei que era uma pulga de verdade!

-Mamãe sempre dizia que toda vez que o mínimo chorava querendo mamadeira, à égua relinchava no pasto, mas era uma simples coincidência. Na verdade o animal relinchava pela cria que estava à parte cedendo o leite para o garoto.

Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 05/12/2011
Reeditado em 05/12/2011
Código do texto: T3373235
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