MORDIDO POR UM CAHORRO
Quando eu era criança, imaginava que se vivesse até aos quarenta anos estava de bom tamanho. Pensava que isso era tempo demais.
Vivia meus sonhos e fantasias sem compromisso, sem pensar no futuro respirando o ar puro oxigenado pela paisagem verdejante sem saber o que era poluição, marcando as horas pelas sombras projetadas pelo sol. Eu não sabia que o ano tinha doze meses, nem que o mês era de trinta dias, e que uma hora tinha sessenta minutos e assim por diante.
Atualmente preparo-me para bater o martelo na casa dos setenta anos muito breve. Eu espero chegar La pelo meio do próximo ano. Percebo que meu cordão umbilical continua sendo arrastado por aquele menino magrelo de pés descalço,despenteado, que andou desenhando formas na poeira da estrada. Contando estrelas e admirando São Jorge em noite de lua cheia. Correndo pelos cerrados em busca de guabiroba, mamacadela, Baco-pari e marmelada bosta de cachorro.
Ouvindo as histórias do avô, um autodidata que viveu muitos anos luz a frente da realidade de sua era primitiva, quando o meio de transporte mais rápido não ia alem do lombo do cavalo.
A penicilina recém descoberta, que teria que ser transportada envolta em cubos de gelo protegidos por camadas de serragem. Gelo era um negocio frio e ninguém sabia como se fabricava. Um avanço no combate as moléstias que assolavam a população. Meu pai foi aplicador de injeção, teria que arrumar um relógio emprestado no povoado, para proceder às aplicações nas horas exatas. Relógio coisa de gente chique, ou pessoas inteligentes como meu avô que tinha seu oméga ferradura de bolso, e um de parede que batia de meia em meia hora vibrando nas tábuas do assoalho daquela saudosa sala.
Aos poucos fui crescendo entrei para a escola, comecei a descobrir o mundo, andei de automóvel depois andei de caminhão. Quando estava no terceiro ano primário, vinte e um de abril de 1953 no dia consagrado ao Mártir Tiradentes, faria minha primeira excursão, a uma fazenda aonde iríamos conhecer um a máquina de cascar arroz. Até então nós, que só consumíamos arroz cascado no pilão manual e no monjolo, íamos conhecer aquela novidade. Mas na véspera eu que poucas vezes andara em veiculo automotor, sofri um acidente de avião. Fui mordido por um cachorro de nome avião, e lá foi meu sonho em conhecer aquela importante engenhoca. Perdi também uma boa oportunidade de andar mais uma vez de caminhão. Mais tarde já adolescente fui muitas vezes na tal máquina com dois sacos de arroz atrelados no lombo de um cavalo levando-o para ser beneficiado. Anos mais tarde acabei trabalhando algum tempo numa máquina adquirida por meu pai no centro do Engenho.
São lembranças escapadas pelas fendas que a idade vai abrindo nas gavetas da minha mente.
“Dedico este texto a amiga Maria Mineira.”