As marcas do barro progressista no chão da zona da Mercedes
Conta o nono Paulo, em roda do fogão numa manhã de domingo, com a cuia na mão e o paiêro na boca, que lá pelos idos de 60, zona em Santo Antonio do Sudoeste era mais comum que leitão mestiçado correndo no quintal. Isso em razão da grande quantidade de Araucárias que a região da fronteira possuía, atraindo as madeireiras que consigo traziam o progresso e uma leva de lenhadores que derrubavam nossa árvore símbolo a torto e direito. E na mesma proporção surgiam os prostíbulos para a macharada descarregar “seus instintos naturais”.
Foi nesta época que o Chico Trovoada (apelido adquirido em função do medo de tremores no céu) resolveu comemorar o aniversário depois de um dia inteiro de trabalho, que contabilizava tantas machadadas quanto árvores derrubadas. A festa ocorreu na bodega do Jaime, ponto comum de encontro ente os operários da madeira no sertão sudoestino. Da parte de Jaime, a festa, mais que um mero presente, era um gesto de gratidão ao seu mais assíduo cliente, àquele que por tantos anos sustentou seu comércio de pinga e vinagretes. A viola desafinada, os gaiteiros bêbados, os piadistas sem graça e os cachorros roubando as linguiçinhas do fogo faziam parte daquele cenário de festa, um verdadeiro ode ao “sócio” da bodega do Jaime, como os amigos chamavam Chico Trovoada.
Mas ainda faltava alguma cousa para a festa ser completa. E essa cousa tem nome: se chama mulher, mas não qualquer mulher. A homarada queria as empresárias do amor, comerciantes do sexo, empreendedoras do sertão ou qualquer outro nome que prefira para relacionar ao sexo capitalista. A esta altura, Jesus era chamado de Jenésio por boa parte dos presentes, que resolveram seguir em procissão até o prostíbulo da Mercedes, distante algumas centenas de metros da bodega.
Aqueles eram tempos em que o progresso ainda era cria e asfalto não havia. Acrescente-se ao estado de tráfego das vias a chuva que caíra durante o dia e que estancara no meio da tarde, fazendo do barro vermelho da fronteira uma massa tão densa quanto pegajosa às solas das surradas botinas. A turnê de putanheiros chegou ao referido estabelecimento prostitucionário levando consigo muito barro e nenhum dinheiro.
A serragem à porta da casa era insuficiente para limpar todos os pés quando o grupo chegou trazendo alegria e farra à zona vazia de clientes. Mas logo foram interpelados pela cafetina Mercedes, que não admitia os “cú pelado” em seu estabelecimento. Saíram atropelados por cabadas de vassoura, mas deixaram as marcas de suas presenças no chão do local, grifadas do mais vermelho barro sudoestino. Não se desanimaram e saíram em serenata peregrinando por outras casas, mas conta o menos beúdo do grupo que ouviu um último dizer de Mercedes (com sotaque castelhano).
- Vão e voltem amanhã me trazer pelo menos o dinheiro do sabão pra lavar isso!
*Causo originalmente publicado no blogue Porteiro de Zona, no link http://migre.me/6bPLR