Raimundo e o Jequitibá
Raimundo era seu nome, bravo e forte lenhador, não temia a mata, entrava fundo na floresta brandindo seu machado. Não havia gigante que não conseguisse derrubar.
- Lá vai o Raimundo e seu machado. – diziam os outros lenhadores quando o viam passar.
- Esse aí já derrubou um milhão de árvores – diziam outros.
E Raimundo seguia com o machado sobre os ombros. Não tinha pena da floresta.
- Mato é mato – dizia ele – tem mais valor derrubado, talhado nas mãos de um carpinteiro ou queimado para virar pasto para o gado.
Mas um dia Raimundo chegou a uma floresta diferente, os índios que lá já viveram diziam que era encantada e todos tinham medo dela.
- Encantada que nada! – zombava Raimundo – E nem índio vive aqui mais. Vou colocar esse mato no chão. E vou começar pela maior árvore que achar. Quem vem comigo?
Os outros lenhadores com medo das histórias não quiseram segui-lo.
- Bando de covardes! – esbravejou Raimundo – Vou sozinho então.
E Raimundo entrou sozinho na floresta à procura da maior árvore. E muito caminhou, mas era uma floresta antiga e todas as árvores eram enormes, mas enfim, depois de muita procura achou um imenso jequitibá, um espécime gigantesco que deveria ter milhares de anos com certeza.
- Minha mãe! – espantou-se Raimundo – nunca vi árvore igual, com certeza serei lembrado por derrubá-la.
Raimundo cuspiu e passou seu dedo na lâmina do machado.
- To bem afiado.
Então ele levantou o machado sobre o corpo se preparando para dar o primeiro golpe.
- Lá vai – disse ele inflando os pulmões.
Raimundo desferiu o golpe, e assim que a lâmina cortou o tronco ele ouviu um gemido:
- Aaaaaii..!
Raimundo ficou quieto e espantado, olhou para os lados, procurou e procurou, mas não viu nada. Achou que fosse coisa de sua cabeça, afinal estava cansado. Ele voltou-se para o trabalho e desferiu o segundo golpe.
Mas de novo o gemido:
- Aaaaaiii..! – e depois do gemido a terra toda tremeu e Raimundo mal pode se manter de pé.
- O que é isso meu Deus? – perguntou-se Raimundo.
Foi então que Raimundo olhou para o corte que havia feito na árvore e percebeu que ele sangrava.
- A árvore tá sangrando! Mas como pode ser isso se árvore não tem vida? – Raimundo estava espantado.
Foi aí então que uma voz quebrou o silêncio da mata:
- Temos vida sim Raimundo, tanta vida como você.
- Quem está aí? – perguntava Raimundo cheio de medo.
- Sou eu Raimundo, a árvore que nada te fez, mas que você quer colocar no chão.
Sim, era o jequitibá quem falava.
- Árvores não falam! Eu derrubei mais de um milhão de árvores e nenhuma nunca falou!
- Eu aprendi a língua de todos os homens Raimundo. Agora eu quero lhe ensinar a minha e lhe mostrar o sofrimento que você e os outros homens tem nos causado. Ponha as mãos em minha ferida Raimundo e descubra o que vocês nos tem feito.
Raimundo estava meio hesitante, mas obedeceu ao pedido da árvore e tocou seu corte. Assim que encostou suas mãos na árvore ele foi inundado por uma torrente de pensamentos e sentimentos, sentiu a dor das árvores do mundo, viu a destruição das florestas, viu a agonia dos animais que ficavam sem lar, compreendeu a imensa ganância dos homens e sentiu vergonha de sua própria espécie.
- Oh meu Deus! Que mal temos feito! Quando sofrimento eu causei! – e Raimundo chorou.
- A floresta é viva Raimundo, não se esqueça disso.
- Não me esquecerei! – e Raimundo enterrou seu machado e voltou para o acampamento dos lenhadores.
Chegando lá ele começou a esbravejar:
- Vão embora! Não cortem as árvores, elas são vivas, vão embora!
- Raimundo deve estar louco – diziam os outros lenhadores.
E Raimundo continuava a gritar e de repente começou a quebrar tudo também.
- Deixem a floresta em paz, ela tem vida, vão embora, vão embora!
- Realmente Raimundo enlouqueceu – diziam os homens e tentaram contê-lo.
Mas a ira de Raimundo era tão grande que foram necessários dez homens para segura-lo. Depois de contido eles o amarraram a uma árvore.
- O que faremos com ele? – perguntavam-se os homens.
- Deixe-o aí, talvez melhore – respondiam outros.
E Raimundo foi deixado preso ali por muitos dias e os lenhadores observavam que ele falava sozinho.
- Vejam! Ele diz estar conversando com as árvores.
- Pobre Raimundo, passou muito tempo sozinho no mato e enlouqueceu.
Raimundo foi sendo esquecido, deixou de ser notado, com o tempo foi ficando verde como a mata, até que um dia desapareceu.
- Onde está Raimundo? – perguntavam-se todos.
Todos achavam que ele tinha fugido, ninguém nunca mais o viu. Mas quando os lenhadores resolveram adentrar a floresta e cortar as árvores muitos tiveram medo, pois a cada machada dada ouvia-se o lamento da floresta:
- Aaaiii..!
E todos os lenhadores fugiram com medo. Alguns diziam que o espírito de Raimundo assombrava a floresta.
E foi assim por muitos anos, a história se espalhou e cada grupo de lenhadores que chegava fugia com medo do lamento da floresta.
A história poderia ter terminado assim, mas um dia o homem abandonou o machado e armado de tratores e moto serras invadiu a floresta. Os homens então estavam surdos por causa do barulho das máquinas e não ouviram o lamento das árvores, por fim a floresta foi toda derrubada, sobrando apenas um imenso jequitibá.
- Esse é dos grandes! – diziam os madeireiros.
Mas o tamanho não impediu que as máquinas derrubassem a árvore gigantesca, durante o trabalho muitos homens disseram ter ouvido gemidos, mas não deram muita atenção, alguns disseram também que a árvore sangrava, mas pensaram ser apenas seiva. Ninguém também percebeu como a terra tremia.
Quando o gigante da floresta finalmente tombou todos aplaudiram, mas se alguém olhasse em volta veria ali perto, escondido em meio aos tocos das árvores já cortadas, a figura de um velho esverdeado como as plantas que quieto em seu canto chorava a morte de um amigo.