"A Ponte sobre o Rio Sussui"Um Encontro Após a Morte"
Querida, mais uma vez estou aqui, acho, não... Tenho certeza que em breve nos encontraremos. Aqui na ponte, quase nada mudou do outro lado, ali perto daquele ipê amarelo, naquele enorme pé de jatobá, tinha uma casinha de João de barro. Mas acho que a fêmea do casal morreu, ele deve ter ido embora.
Um dia, pousou no galho bem próximo da casinha olhou, olhou, depois foi embora. Sabe, eu tive a nítida impressão que no cantinho do olho dele havia uma lágrima, acho que ele, assim como eu está sofrendo. Nega a saudade dói que é barbaridade. Outro dia alguém me repreendeu. -Se você está triste vá à igreja. Mas eu acho que o lugar mais próximo, que me fala mais alto a seu respeito é nessa ponte, onde te conheci. Lembra? Você vinha da vila junto com seus pais, seus irmãos e eu vinha em sentido contrário, parei meu cavalo, bem ali na sombra do Jequitibá. Seu pai encostou a carroça para o cavalo beber água e aí nos cumprimentamos. Eu me apresentei, comecei a falar com seu irmão a respeito do cavalo de vocês, depois da carroça, depois do preço das coisas, que estavam pela hora da morte, enquanto eu conversava acho que todos perceberam, menos eu que tentava de todo jeito ver seu rosto, que você escondia. Acho que seu pai gostou de mim, quando ele te chamou para me apresentar. Maria? – Cumprimenta o moço? - não sei qual dos dois sofreu mais se você por me cumprimentar, ou eu por deixá-los perceber meu interesse em você! Dali para frente, todo final de semana estava próximo à ponte, dando água, lavando o cavalo, enfim esperando você passar. Éramos crianças, mal entráramos na puberdade, mas como eu te amava, mesmo sem conversar. Seu pai mais uma vez veio em minha ajuda. Passa lá em casa, tomar uma canequinha de café, bater um dedinho de prosa. E lá estava eu, inconvenientemente cheguei às dez horas, quando todos ainda estão nos afazeres domésticos. Querendo impressionar, comecei a ajudar a todos, sujando minha roupa nova e tendo que tomar banho no rio, para me limpar um pouco.
Durante minha visita só pude vê-la quando seu pai chamou para me cumprimentar e na hora do almoço que você sentou longe na outra ponta da mesa. Como não agüentava mais num rasgo de valentia, pedi sua mão em namoro. Depois de ouvir de todos, lição de bons modos, respeito. Todas as mulheres da família deveriam se casar virgens pude enfim conversar com você.
Maria se existe santa no mundo, naquela hora era você. Seus cabelos pretos, seu rosto, suas mãos, enfim o que pude ver me conquistou e dali para frente, você me invadiu como um vírus. Em nossa convivência que foi pouca, nunca você gritou, ás vezes, quando ficava brava comigo simplesmente se enclausurava e enquanto não me explicava direitinho, não voltava a sorrir para mim. Bem se passou um ano e nós ficamos noivos, sem as mínimas condições, mas seu pai queria mais um empregado grátis e facilitou as coisas.
Só não sabia que eu não recebia ordens de ninguém. A cada dia que passava você também correspondia e mais nos amávamos. Amor platônico inicialmente porque além de você ser linha dura, eu não ia agüentar ver você passar vergonha na frente de todos... Isto eu não faria, você sempre pedia, quando às vezes sabe como é sangue de caboclo, então começou a brincadeira pega dali, pega daqui, beija ali. Aí você punha um basta. Às vezes você me mandava embora logo no começo da noite. Hoje você não está bem precisa descansar, tome um banho de rio, que faz bem. Saía de lá xingando, mas depois que esfriava, dizia, - ela tem razão vamos nos casar virgens, dá para esperar.
Nos dias próximos do casamento, por pouco não desmanchamos tudo.
Você estava muito nervosa e é compreensível, mas começou a pegar muito forte Falei, - Olhe Maria você sempre me manda embora, hoje eu peço para ir, quem está com o saco virado sou eu. Saí dali, e só voltei porque tinha um mutirão, e não se pode perder. Depois disso você ainda manteve sua pureza a ferro e fogo, mas não me mandava mais embora, porque sabia que eu me ofendia com isto.
O casamento preparação.
Devido à grande amizade que eu tenho com todos e meu sogro também, o casamento que iria ser uma simples reunião, foi uma grande festa. Os noivos, modéstia parte estavam parecendo artistas de cinema. Meu sogro resolveu que moraríamos em sua casa, assim ele não perderia uma filha, mas ganharia um empregado. Ficamos na residência de meu sogro, por exatamente, quinze dias.
Eu era ofendido diariamente, engolindo seco por causa da esposa até aquela janta. Durante o jantar, que minha esposa havia preparado, seu pai pensou ser ela solteira, ou que não tivesse quem cuidasse e falou, mal da comida. Eu disse a comida está muito boa, o senhor está enganado. Ai começou a guerra.
Você cala a boca, que o assunto não é para estranhos. Levantei-me da mesa e falei, Maria prepara suas coisas que nós vamos embora agora. Em menos de meia hora estávamos na estrada, coloquei duas malas no cavalo e Maria foi à garupa. Fui para casa de um primo que considero como irmão. Esta casa humilde é de minha família que agora tem mais dois componentes. Arrumou um quarto para nós, só que eu precisava tomar algum rumo na vida. Antes de o dia amanhecer, peguei as malas, agradeci, e fomos embora. Chegamos à cidade fui a Pensão Popular, onde o dono era conhecido antigo. Quando ia fazer acerto com ele, para ficarmos ali, recebi a proposta. João, você sempre foi trabalhador, conheço seu pai e conheci teu avô. - Queria que você tomasse conta de meu sitio. O sítio não é grande, mas você pode plantar o que quiser, como se a terra fosse sua. Só que a cada vinte dias, minha patroa, vai com as crianças, mas ela tem empregada que vai junto, vocês não serão empregados da casa, você só vai tomar conta para mim. Eu te dou uma compra do mês e o salário. Só preciso que você deixe o sítio limpo, a piscina, e até os animas você pode usar, carroça, tudo, só precisa dar ração para os bichos você sabe como funciona. -Sei sim já trabalhei num sítio de empregado. É tudo igual, só que você não é meu empregado, você é amigo. Ta bom e como eu faço? Amanhã cedo você vai para lá, um funcionário da pensão vai junto, te explica alguma coisa que eu possa ter esquecido. E sua mulher não precisa fazer nada só cuidar de sua casa que é a menor que fica ao lado da minha. Já está mobiliada tem até radio e energia elétrica. Agora pegue estas chaves e vão dormir que vocês devem estar cansados. Trabalhei neste sítio por oito anos que foram os melhores da minha vida. Se existe paraíso estávamos lá. Comecei a plantar porque o serviço era muito pouco e para não ficar parado plantei frutas, legumes, verduras, de tudo um pouco e com autorização do proprietário comecei a vender na feirinha da cidade aos sábados, além de dar metade da produção para a pensão o Sr Ângelo que não queria aceitar, mas depois fizemos um acordo e ele me fornecia alguns insumos agrícolas de graça, então ficaram os legumes e as verduras vendidos a um ótimo preço. Toda sua família era apaixonada por mim e por Maria, que mesmo sem minha autorização assumiu de governanta da casa que sob sua direção virou uma mansão ou casa de rico, pois sabia coordenar e fazia de tudo dando exemplo. Obrigou-me a freqüentar a escola noturna, ela já havia feito o ginásio e na cidade não tinha nada que ela não pudesse fazer. Fez corte e costura, datilografia, pintura em pano, em tela.
Aos domingos quando ia à missa, eu via seus pais, ela falava, posso conversar com eles? – Sim pode Maria o ofendido foi você e eu porque no mundo ninguém vai te fazer mal que eu não deixo juro. Ela falava bobinho, e me dava gostosa bicota. Com oito anos administrando o sítio embora Sr. Ângelo já soubesse. Quis comprar meu próprio. Com tristeza por deixar o seio de tão boa família, mas muito feliz por ir para nosso lugar. Chegamos com duas malas, agora saímos com um caminhão lotado, nosso sítio era modesto, mas trabalhava de sol a sol feliz. Nada acontecia para atrapalhar nossa vida.
Sua mãe vinha nos visitar desde o nascimento de nosso primeiro filho, João depois veio Joana, depois Maria depois André. Nascimento de André.
As crianças sempre nos ajudaram, mas não adiantava Maria mesmo com a barriga enorme, trabalhava como escrava. Eu ralhava com ela. – Maria para com isto, estas coisas são pesadas demais. Precisava tirar daí, não ia ficar esperando você chegar, chega tão tarde e tão cansado. Não adiantava falar, depois da janta, saíamos para a varanda e ficávamos até quase meia noite conversando com as crianças, ela sempre ensinando, até que começavam a dormir e eu levava um a um depois falava agora que é o pesado tenho que levá-la também? E fingia que ia carregá-la. Brincávamos e brigávamos, sempre cuidando um do outro. Como eu vendia para várias quitandas na cidade, a pensão do seu Ângelo, que nunca deixou de comprar da gente, até o Hotel Municipal, que comprava bastante. Comecei a arrumar empregados, porque não dava para tocar tudo e eu Estava tendo prejuízo, por não conseguir administrar os produtos e vender.
Fatalidade, Maria morreu.
Eu havia saído cedo, para comprar insumos, fui ver também um pequeno caminhão para ajudar na distribuição de nossos produtos que eram muito procurados, por não ter agrotóxicos. Maria estava em casa, um baú enorme que estava na sala, ela havia pedido para eu tirar e esqueci. Com ajuda das crianças, conseguiu colocar em um quartinho de despejos. Voltou para a cozinha e comentou com o filho mais velho, e seu pai que não vem?
-Porque mamãe a senhora está bem não? -Sim filho não é nada. Dali a pouco, pediu para chamarem um rapazinho, que ajudava a tratar os animais.
- Vá chamar o João, diga para vir logo, por favor. O menino pegou a bicicleta e saiu a minha procura. Mas só foi me encontrar à tardezinha, quando já voltava para casa. Feito um desesperado entrei em casa, ela estava no sofá. João ainda bem que você chegou. Preciso pedir para você algumas coisas. Porque Maria para com isto. João preste atenção e ouça, quero que você faça as pazes com meu pai. Os dois são intransigentes, mas quero que você faça jura? Juro Maria. Sua voz foi sumindo e desesperado peguei ela no colo e sai correndo para fora do sítio, as crianças vieram atrás. A Ambulância chegou e pegaram Maria e foram para o hospital, não pude ir por causa das crianças. Depois de arrumar uma pessoa para ficar com eles corri para lá. O medico que cuidava dela falou – infelizmente, não deu para salvá-la, era um ou outro, como ela pediu, salvei a criança, ela pedia insistentemente que salvasse a criança.
Ela também estava com vários órgãos comprometidos, se a salvássemos poderia ficar como um vegetal para sempre. Sr. João não houve escolha só a criança sobreviveria. Ela, mesmo depois de morta parece que colaborou na saída do bebê, facilitando o nascimento. Sr. João se eu fosse o senhor iria a uma igreja agradecer a benção da vida, pois seu filho veio com saúde.
- Ir à igreja Dr. Fazer o que? – Perdi tudo, tudo. Consegui que uma senhora tomasse conta da família, como governanta. A situação financeira era muito boa e os filhos à medida que cresciam ia assumindo cargos, nosso sítio virou fazenda e Cooperativa.
- Eu quase não trabalhava, as minhas funções foram assumidas por todos nada restava a fazer. Conselhos para que me casasse de novo, pelas crianças diziam, mas eu todo dia ia até a ponte para conversar com Maria. Contava as novidades, reclamava dos filhos enfim os anos passaram, e aquelas visitas à ponte geraram comentários, que eu havia ficado louco, que ao invés de ir à igreja, ia ver as águas sob a ponte, mas nada me fazia mudar de idéia. Agora André, meu filho caçula, havia se formado em engenharia e trabalhava na barragem, longe de casa, só vindo cada quinze dias. Todos sem exceção ficavam, mas papai, papai você precisa... E lá vinham ordens, pinga nem pensar, carne de porco nem pensar, carne gorda costela, por exemplo, nem pensar.
- Então eu simplesmente virava as costas e saia, vinha para a ponte do rio Sussuí, onde era o único lugar que me sentia bem.
- Ultimamente sentia um formigamento pelo corpo, tonturas.
- Todos falavam o senhor tem que ir ao médico, precisa tomar remédio, o senhor não toma parece que quer morrer? Eu ria e ia embora.
- A empregada ao arrumar o quarto, verificou que o Sr. João não posara em casa. Comentaram com outros empregados até que avisaram a família. Começaram a procurá-lo pelo rio, pois era seu local predileto.
- Sentado em uma pedra, encontraram Sr. João, estava morto há bastante tempo. Mais de um dia talvez, curioso é que sua expressão facial estava calma. Parece até que sorria, seu olhar parado ao longe, alguém comentou com muita propriedade, Acho que encontrou o que tanto procurava. Deve ter encontrado sua Maria. Curiosamente no cemitério, ele havia plantado flores silvestres, margaridas que eram as preferidas de Maria e era o único lugar que elas floresciam o ano todo. Foi uma bela homenagem de João à sua Maria. Enquanto contava isto levei um susto, ao meu lado, sentada em uma pedra, Maria ouvia calmamente minhas reclamações. João as crianças são assim mesmo é que elas te amam, por isto estão preocupadas. Deu-me uma tremedeira. Maria há quanto tempo você está aí? Eu sempre estive aqui, desde quando você começou a vir, também acho um lindo local. Mas você está tão bonita, - você me vê? Sim eu também te vejo assim olhe a água. Olhei realmente eu estava tão jovem, como quando a havia conhecido. Obrigado meu Deus, obrigado a todos, por estes anos todos me afastei de Deus e ele me deu este presente. - Ele nunca ficou com raiva de você, só ficou triste e agora está feliz por você ter se reencontrado. Maria quero tanto agradecer sempre soube que você estaria em bom lugar, só não sabia onde? No começo sofri também, querendo consolá-lo, bem como as crianças, com o tempo fui trabalhando, - trabalhando?, Sim eu trabalho João, dou aulas para as criancinhas e darei para você também. Sim Maria quero ir com você. Estive sempre te esperando meu amor, agora posso realmente levá-lo comigo. De mãos dadas caminhamos por uma estradinha cheia de flores. Maria sempre segurando minha mão, falava com muita calma, não se assuste João, você está entrando no plano espiritual. Vou ficar com você um tempo. Depois tenho que prosseguir, pois tenho outras missões a cumprir. Aceitei com uma calma que pensei nunca tivesse.
- Com Maria me ensinando, logo pude também ajudar até meu sogro que não era meu amigo. Eu o havia perdoado, mas, comecei a vê-lo como irmão e auxiliá-lo, na compreensão das coisas do nosso plano, reparando-o Para os próximos.
- Após algum tempo vi Maria, conversamos um pouco, mas ela estava indo para a África, pois precisava e queria viver mais uma vez e escolhera um lugar chamado Biafra.
Que vou procurar descobrir, depois onde é e se a vida dela será de progressos.
Hoje sou uma espécie de guia turístico, recebo as pessoas, e com palestras tento fazê-las entender a real situação, algumas não estão preparadas e devem ficar mais tempo, outras passam mais rápido. Esta história tem o intuito contar um sonho meu sobre um verdadeiro amor que existiu espero, e coincidentemente, Sussuí existe, o rio existe, porém a história foi fluindo sem que eu conseguisse parar talvez até seja verídica não sei, mas como escritor sei que todos aumentamos diquinho, aqui tiquinho ali para melhorar o conteúdo. Foi escrito durante a madrugada e o sono, costuma pregar peças na gente. Podemos refletir a respeito e as conclusões com certeza virão.
OripêMachado..
Para sua apreciação.