Condolências
Em uma cidade pequena, dessas do interior, onde a calma se confunde facilmente com o tédio, um distinto homem desceu do ônibus. Com uma grande mala marrom na mão direita, ele trocava passos vagarosos, saindo na minúscula rodoviária, que não passa de uma antiga construção, que a prefeitura local se apossara para servir à população.
Alguns habitantes do município, que ocasionalmente cruzavam com aquele homem, olhavam-no de cima em baixo. Coisa de cidade interiorana. Vestido com uma camisa branca de botões, uma calça esporte fino e sapatos marrons escuros, o visitante seguia caminhando pela rua central. Sua falta de pressa mostrava que pouco conhecia do local, porém, seus olhos não paravam de olhar para todas as direções, com um ar de curiosidade, como se já tivesse estado ali em outros tempos.
Em sua lenta caminhada, o estranho homem continuava despertando a curiosidade dos locais. Seu passeio despretensioso logo foi interrompido por um homem, já de idade avançada, que lhe chamou a atenção.
- Com licença, o senhor está procurando por algum lugar?
O visitante olhou para o homem que lhe fizera a pergunta.
- Na verdade, nenhum lugar especifico. Apenas um hotel, ou pousada, onde eu possa descansar um pouco – respondeu ele.
- Ah sim, tem uma pousada no final de rua, a umas oito quadra – explicou-lhe o homem – é só seguir reto.
- Obrigado pela informação. Vou até lá – disse o visitante, seguindo seu caminho.
Indo em frente, como lhe havia dito o idoso, o homem da mala marrom se deparou, algumas quadras adiante, com uma casa, do lado direito da rua. Percebeu que haviam algumas pessoas em frente à residência, todas vestidas de preto.
Quando passava direto pela casa, com o caminhar ainda mais lento, o homem parou. Olhou para onde as pessoas estavam agrupadas, e percebeu que algumas choravam. Logo viu que se tratava de um velório.
Sua curiosidade aflorou. Sentiu um desejo de saber quem havia morrido, apesar de não conhecer ninguém por ali. Foi em direção à casa. Ao chegar, adentrou-se vagarosamente pela porta, chegando a uma grande sala, onde viu um caixão, e muitas pessoas em volta, chorando copiosamente.
Ao se aproximar mais, viu que o defunto era um homem de pouca idade, de uns trinta e poucos anos, o que explicaria tanta emoção por parte das pessoas em volta. Um homem jovem, com muito ainda por viver.
Olhando em volta, percebeu, dentre algumas mulheres próximas do caixão, uma que chorava de maneira mais exacerbada. Era jovem, e muito bonita. Intuiu se tratar da viúva. Deslocou-se lentamente por entre as pessoas que ali estavam, até chegar na jovem mulher. Aproximou-se dela, e lhe perguntou-lhe:
- Com licença. A senhora é a viúva?
- Sim, sou sim. O senhor conhecia meu marido? - Respondeu a mulher.
- Na verdade não – disse ele, e continuou – mas, sinto muito pelo ocorrido. Minhas condolências.
A mulher olhou para ele com os olhos raivosos, e lhe disse:
- O que o senhor me disse?
- Minhas condolências - repetiu ele.
- Como o senhor ousa me desrespeitar no velório do meu marido – gritou a mulher.
Todos logo ouviram. E ela continuou:
- O senhor entra na minha casa, e vem me dizendo essas obscenidades! Que tipo de homem o senhor é?!
O homem olhou assustado para a viúva.
- Mas, senhora, eu não disse nada de mais. Só quis ser educado – disse ele, com cara de confuso.
- O que esta acontecendo aqui? – disse um homem, se aproximando.
- Carlos, você não sabe o que esse... esse senhor me disse.
- O que você disse pra minha irmão rapaz?! – perguntou o tal Carlos, que tinha uma voz grave e pelo menos um metro e noventa de altura.
- Eu... eu.. só disse... minhas condolências...
O tal Carlos pegou homem pelo pescoço, que logo largou sua mala marrom ao chão.
- Como você tem coragem de dizer uma coisa dessas pra uma viúva?
Enquanto o grandalhão Carlos apertava o pescoço do pobre visitante, um pequeno tumulto se iniciou. O fato foi se espalhando pela sala, chegou à cozinha, à área, e ao lado de fora da casa. Algumas mulheres desmaiaram. Os homens ali presentes já falavam em linxar o viajante da mala marrom. Discussões, gritos, choros. Até que, chegou o padre.
- Posso saber o que está acontecendo aqui? – perguntou Frei Antonio, o pároco, e único padre da cidade, adentrando-se na sala – por que toda essa algazarra.
Uma das mulheres correu em direção ao padre.
- Frei, o senhor não sabe o que esse homem disse à pobre da viúva!
- O que ele disse? - perguntou o padre.
- Ele disse minhas condolências. Veja só padre, que pouca vergonha...
O padre começou a rir, e disse:
- Meus filhos, quanta ignorância! O Rapaz só quis ser gentil. Minhas condolências é o mesmo que meus sentimentos. É uma forma de mostrar respeito para com os entes queridos de quem já se foi. E Carlos, meu filho, largue o pescoço do pobre homem.
Rapidamente ele soltou o pescoço do visitante. Todos então se acalmaram, e foram em direção do homem para pedir-lhe desculpas.
Depois que tudo foi esclarecido, o homem foi saindo da casa, ainda assustado, com sua mala marrom.
- Ei, rapaz, posso lhe ajudar? – perguntou o padre, que estava próximo a uma charrete.
O homem se aproximou.
- Bem, eu queria achar uma pousada ou hotel. Preciso descansar, ainda mais agora...
- Claro, claro. Tem uma pousada pertinho da igreja matriz. Suba na charrete, eu te levo lá.
O Homem subiu então. E os dois seguiram pela rua.
- Padre, quero lhe agradecer pelo senhor ter aparecido. Se não fosse pelo senhor, acho que não sairia vivo daquela casa – disse o homem, com uma voz de alivio.
- Não foi nada meu filho – disse o padre. Em seguida, parou a charrete, olhou para o homem, e continuou – mas precisa cantar logo a viúva...
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Texto: Eder Ferreira
Ideia original: Maneco Terra