" E Nois Na Parada"

Seu nome era Val (Roberval), cultura nenhuma, só conseguiu escrever o nome e soletrar umas poucas palavras. Era um cafuzo, filho de mãe solteira, no seu aniversário de dez anos, foi passear de caminhão carreta e nunca mais voltou. Quando o comissário de menores tentou levá-lo, fugiu pelos barracos vizinhos, só voltando para casa quando a situação se acalmou. Mesmo menor começou a fazer serviço de chapa (descarregador de carga). Ganhava muito bem para sustentar-se e cuidar do barraco na comunidade. Como era órfão foi adotado por todos, pois era simpático e trabalhador cativando a todos com seu jargão “é nóis na parada” Nunca passou fome, pois tinha seu dinheirinho e todos dividiam com ele o pouco que possuíam. Mas a recíproca era verdadeira, nunca deixou ninguém carregar uma mala pesada ou alguém levantar um barraco sozinho. Era muito participativo. Sempre que chegava, era comum alguma senhora que o tinha como filho: Val chega aí, tem uma canjicazinha que guardei para você, ou Val, minha mãe trouxe feijoada do restaurante ta a fim? Sua vida era simples, porém feliz.

O violão.

Parou na venda do seu Neco (Manoel) para tomar uma esprimidinha, quando viu a um canto Tico (Antonio) conhecido antigo. Ofereceu, Tico aceitou. - Val você quer tomar conta do meu violão?

Ora compadre por quê? A Assistência vem me buscar, estou tísico. Vou passar uns tempos em Santa Rita do Passa Quatro e nem sei se volto. Então te adianto algum e compro o violão tá?

Vender não, passo ele. Você só tem que aprender a tocar é facinho. E tomaram várias, cantaram e tocaram até tarde. De repente a sirene tocou e Tico foi embora para nunca mais voltar. E Val que nunca tinha pegado em instrumento musical pensando não ter aptidão, viu que foi fácil. Acho que o espírito de Tico ficou com ele. Logo tocava de tudo. Se antes era querido, agora era amado. Não dava conta de todos os convites para reuniões, festas, etc E com as mulheres, aí foi mamão com açúcar. Aquele mulato alto, forte com cabelo bem cortado e cheirando a perfume do bom, pois o neguinho gostava de se produzir. Era menor de idade ainda, já tinha namorada, amante e tudo mais. O dinheiro ainda era curto, mas para quem não gasta nada, tava bão né? É nóis na parada, todos já conheciam o Jargão. Era fácil descobrir onde ele estava, o povo estava lá. Virou poeta, rabiscava musica, que ele próprio compunha, além de tocar e cantar todos os sambas do momento. Conheceu Zuleica, mulata linda de quinze anos. Pensou não vai prestar.

Zú, (Zuleica) também gostou dele, mas tinha pai, pensa num pai bravo. Mas o fogo dos dois não tinha jeito, tomaram um flagrante, justo de quem? O pai da moça. O vento castigou a aroeira na comunidade, cavaco voou. Zú apanhou bastante, mas Val, quase morreu, seu João ex lutador de boxe ensinou o BEABÁ para o genro. A semana demorou a passar.Zú pelas marcas, do carinhoso pai, não saia de casa. Val com algumas costelas amassadas amargava um repouso forçado. Na madrugada de sexta feira para sábado, um foguetório na comunidade. Acho que chegou mercadoria. Ninguém percebeu, dois vultos que sorrateiramente desapareceram em direção à cidade. Dizem que anos depois, Val e Zú, e dois neguitinhos lindos de morrer, visitaram seu João que tudo perdoou, recebendo em casa, o casal bem como os netos. Mas a comunidade entristeceu, não se ouviu mais aquelas gargalhadas e o som maravilhoso do violão bem como “E nóis na parada” Mas em algum lugar linda dona de casa, com dois ou três pimpolhos pedem. Pá toca aquela, não pai toca aquela e com uma risada gostosa se faz ouvir.

“É nóis na parada”.

OripêMachado.

Este conto é uma pequena homenagem, aos milhões de anônimos

Que independente de ter um local para morar ou não

Ajudam na construção do país

Mesmo sem dinheiro e condições

Alegram vizinhos e amigos

Como é o caso de Val.

(Em especial aos meus amigos da)

A R E A

Oripê Machado
Enviado por Oripê Machado em 30/10/2011
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