Baixinho Invocado
Eu vou contar essa história direitinho, nasci e criei na roça, vivia do que produzia, mais era muito pouco, sempre jogava na loteria, um dia vinha de bicicleta passei de frente a um cemitério e fiz uma promessa, se uma alma viesse me dar o número da loteria e se acertasse o primeiro premio, comprava vela e colocava em cima do muro, um palmo de distância de uma para outra e acenderia todas, falei aquilo e esqueci.
Já fazia um bom tempo, era quase uma hora da tarde, o cemitério ficava a três quilômetros da cidadezinha, ia eu de novo de bicicleta, numa curva fechada antes do cemitério, destampei em cima de uma assombração, ajuntei a bicicleta, me lembrei da promessa que fiz, parei cinqüenta metros a diante, olhei para trás ela estava olhando para mim, com certeza queria dar o número da loteria, mas não resisti, fui embora, tinha rastro até na entrada do cemitério, estava com 14 anos nessa época, pensei, para melhorar de vida só se fosse um bom jogador de futebol, a não ser se virasse deputado mais isso era mais difícil que tirar leite de onça.
O maior inimigo do homem é o medo, já estava com 18 anos, vou partir é para o garimpo ou fico enterrado em uma mina ou dou um chute na miséria, não agüento mais viver nessa pindaíba. Pensando assim, comecei a me preparar, comprei uma bicicleta cargueira, uma barraquinha, panela, uma rede para dormir e coloquei um caixote na dianteira e na garupa da bicicleta, para caber a tralha, ficava um pouco pesado, mas eu era novo e agüentava, onde não dava para montar, empurrava, não tinha pressa mesmo.
Coloquei cinco litros de pinga num bujãozinho porque iria levar dias sem encontrar uma venda, um pouco de arroz, feijão, café, açúcar, farinha e toucinho, comprei anzol, uma lanterna boa, uns quatro carregos de pilha, uma cartucheira 28, naquele tempo tinha muita caça, não fazia falta, agora hoje não pode mais, se não nossos descendentes não vai ter o prazer de conhecer uma paca, uma cutia e outros mais. Os animais na época das flores vão se alimentar, os que não estão de filhotes estão prenhas, os caçadores não tem consciência e esperam para malá-los.
Sempre acampava em beira de rio, ficavam uns três dias descansando, tomava uma pra jantar e pra tomar banho depois seguia viajem, sempre em procura de garimpo.
Uma vez acampei na curva de um rio bem fechado de mata, tinha serra de um lado e de outro, vi uma caverna muito feia, resolvi armar a barraca mais distante um pouco, porque ali tinha nego d’água e se for perto à noite eles atacam.
Estava sentado na beira do barranco e vi uma mulher sentada em uma pedra no meio do rio.
Não existia morador por perto, já fiquei cismado com aquilo, enquanto abaixei a cabeça e levantei de novo, aquele trem estava pertinho de mim.
Levei a mão na espingarda, aquilo disse “é melhor não”, peguei a arma e os peixes e sai quase de quatro pé, até o anzol larguei, cheguei à barraca fiz um ensopado de peixe e tomei uma grande, daí a pouco já anoiteceu, queimei um moca, bebi e fui dormir. Quando acordei foi com uma quebradeira mais horrível, já foi virando a barraca de perna para cima, só deu tempo de voar em cima de uma árvore, quase o bicho me pegava, era um porcão do tamanho de uma anta.
Batia as presas umas nas outras até voava lascas de fogo, no outro dia juntei o que sobrou e fui embora.
Depois de umas quatro horas de viajem, cheguei onde tinha umas casinhas, passei a contar a história, disse um morador “você deu muita sorte, que foi na aparência de um porcão, tem vez que vem na forma de um tatuzão do tamanho de um jumento, aí ninguém escapa, ele vira as costas para o lado da árvore e enfia as unhas no chão e joga terra, pedra e cascalhos para cima, derruba o caboco, quando cai ele acaba de matar, é um velho garimpeiro e mora dentro de uma caverna, tem todo conforto, justamente onde você estava pescando, ele transforma no que quiser, não morre, bala não pega nele,além do ouro que extraía, invadia outras minas, matava os garimpeiros e roubava o ouro, depois lacrou a entrada da caverna e entra por dentro d’água, mergulha do poço e sai dentro da caverna, justamente onde você estava pescando, ataca quem chegar perto, e já tem duzentos e dez anos”, descansei um dia nessa casa e segui viajem.
Depois de cinco horas andando cheguei a uma casa abandonada.
Muito cansado já começava a chover forte, a barraca, o porcão esbagaçou toda, acampei lá mesmo, armei a rede, isso já era quase oito horas da noite, tinha um fogão de lenha, ajeitei o fogo, acendi uma lamparina, fiz um pirão de peixe no jeito, agora vou tomar uma para poder jantar, quando despejei a pinga no copo deram uma gargalhada horrorosa me faltou terra nos pés, falei “misericórdia”, tomei a pinga e jantei e já fui para a rede, quebraram um pote no chão, eu disse, “é, aqui hoje vai dar pra biu”, e começou a sacanagem, gemido horroroso, apagaram a lamparina, meu corpo balançava mais que bacia de cego, cuidei mais de umas oração que sabia, aquilo desapareceu, o dia amanheceu fui embora, depois fiquei sabendo que ali era morada de garimpeiro e todos morreram matado, naquela casa tinha ouro enterrado.
Vou dar o endereço escrito com letras minha, tapera mal assombrada, casa de fazer farinha, lá nos calcanhar do Judas, no vale das andorinhas, aonde a onça pegou a cachorra de nezinha.
Trabalhei em diversos garimpos, mas só arrumei malária, não arranjei ouro, mais pelo menos tentei, voltei para casa e comecei na loteria de novo, é como diz, quem está na rua é arriscado levar um tiro e em casa também, na loteria ainda não acertei, mais uma bala perdida quase me acerta, passou assoviando no pé do ouvido
Eu acho que o porcão e o velho da caverna tinha tudo a ver com o baixinho invocado porque transformava no que ele queria, você vendo eu contar essa história, pode até pensar que estou faltando com a verdade, mais é assim mesmo.