O Gato

Nas escadas, imóvel, estava: o gato. O mais belo e gordo gato que já vira. Era um siamês de pêlo dourado e olhos azuis, e comportamento de rei. Deitava-se como se a escada fosse seu trono. Olhava com desdém à frente.

Num banco, a menina alegrava-se com a presença do gato. Sorria. A menina tinha cabelos dourados e olhos azuis. Ela gostava do gato: chamava-o de filho.

Ele não gostava da menina. Não gostava de quando ela lhe vinha acariciar ou servi-lo. Qualquer outro na casa que o fizesse era aceito pelo bichano; a menina, não. Torcia-lhe o nariz e se afastava. Ela entristecia, mas logo tornava a querer agradar o bichinho – porque ele era belo e se parecia com ela.

O gato era o centro das atenções. Não havia pessoa mais importante que ele naquele lar. Não havia visitante que merecesse prioridade ao gato. O gato escolhia onde sentar, aonde ir, o que fazer. Quando o gato passava, todos paravam e o mimavam. A comida do gato era a mais cara. O veterinário também. O gato viajava, hospedava-se nos melhores hotéis; tinha os melhores artefatos; fazia ioga para aliviar a tensão. Um miado seu era motivo de mobilização indiscutível.

A menina também amava o gato. Sua maior alegria era vê-lo contente. O gato a feria, porém, tratando a ela – e apenas a ela – com fria indiferença. Olhando-o nas escadas, deitado, ela o chamou. Ele começou a lamber-se tranquilamente, com ar de superioridade.

O gato não queria aquela menina. Não gostava da semelhança com ela. Porque sua beleza devia ser exclusiva. Só ele tinha de ser dourado e de olhos azuis. Ao mesmo tempo, porém, em que a semelhança o irritava, impedia de aceitar a reverência de um ser que tinha suas características. A menina não o podia venerar. Ela não podia ser sua escrava. Seria como escravizar-se. Isso o fazia desgostar dela ainda mais – ela devia poder servir-lhe.

Inutilmente, a menina tentou chamá-lo de novo. Ele levantou-se: o coração dela disparou. Podia virar-se e atender ao seu chamado, de repente... o gato direcionou o olhar a ela brevemente. Virou depressa o rosto na direção oposta, sacudiu o rabo e saiu do aposento, deixando a sós a criança e suas silenciosas lágrimas.

Clarissa de Baumont
Enviado por Clarissa de Baumont em 27/12/2006
Código do texto: T328836
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