"Cê tá Vivo Ainda?"

O Alfredinho morria de raiva quando o Vitório vinha com aquelas conversas para o lado dele. Apesar de saber que tudo não passava de brincadeira, ele se sentia humilhado com aquilo.

Do alto dos seus oitenta e dois anos, o velhinho esbanjava uma vitalidade juvenil de dar inveja a qualquer rapazinho novo.

Ele batia cartão todos os domingos à tarde lá no “Carinhoso”, um salão de baile, localizado no Bairro do Ipiranga, com eventos voltados para a terceira idade. Vestia o seu terno branco, se perfumava todo e antes de pegar o ônibus, ali no Largo da Vila Alpina, passava pelo bar do Chulé e dizia para o pessoal que estava indo dançar uns boleros com as suas gatinhas lá no baile do "Carinhoso".

O Alfredinho era daquele tipo brincalhão, que gostava de contar piadas e se divertir jogando dominó com a turma de aposentados que se reuniam no fim da tarde ali no bar.

Todavia o que ele não gostava é quando o Vitório chegava e já vinha gritando:

----Porra Alfredinho! Você tá vivo ainda? Cacete, pensei que você já tinha morrido!

O Alfredinho, coitado, dava um sorriso meio sem graça e respondia:

----Tô vivo sim, viu Vitório! E se você quer saber pretendo viver mais uns oitenta anos!

----Para com isso Alfredinho! Você já está fazendo hora extra! –Zombava o Vitório.

----E vou fazer muito mais ainda! –Retrucava o Alfredinho

----Dá lugar para outro! Você já viveu demais! –Debochava o Vitório

O pessoal dava risada daquelas brincadeiras, e o Alfredinho fingia não levar a sério os insultos que ele lhe dirigia. Entretanto, no fundo no fundo, o Alfredinho se moía de raiva com aquelas provocações.

Teve uma época que o Vitório deu uma sumida. Ficou quase um mês sem aparecer ali no bar. Até que certo dia ele chegou de supetão, cumprimentou o pessoal e não brincou com ninguém.

Perceberam que algo não estava bem com ele. Havia emagrecido e estava meio pálido. Permaneceu alguns minutos por ali, meio caladão, e logo foi embora.

Depois desse dia ninguém mais o viu. Até que ficaram sabendo, através de um parente, aquilo que todos já suspeitavam; ele estava com câncer.

O seu Antonio, um vizinho dele, comentou com o pessoal que ele estava fazendo quimioterapia e que suas chances de sobreviver eram mínimas.

Já haviam se passado quase quatro meses desde a sua última aparição quando em um sábado a tarde ele deu as caras novamente ali pelo bar. Estava com uma sonda no nariz e mais magro ainda que da última vez. Apenas acenou com a cabeça e sentou-se a um canto. Os amigos o rodearam na intenção de saber como ele estava. O Vitório pouco conversou. Perceberam que ele não estava a fim de muito papo e resolveram respeitar o seu sofrimento. Afastaram se e ficaram do lado de fora conversando entre eles, enquanto lá dentro o Vitório, com o olhar fixo no chão, mantinha-se compenetrado em seus pensamentos, que só Deus sabe o que lhe ia à cabeça.

Depois de alguns minutos o Alfredinho chegou. Cumprimentou o pessoal, fez algumas piadinhas, até que avistou o pobre do Vitório sentado lá no fundo do bar. O Vitório ergueu os olhos vagarosamente, acenou com uma das mãos, depois de um sorriso meio que mecânico, e voltou a sua fúnebre quietude. O Alfredinho não perdeu tempo. Há muito que esperava por aquela oportunidade. Lá de fora ele gritou:

----Ô Vitório, sê tá vivo ainda? Cacete, pensei que você já tinha morrido!

O Vitório, sem nem mesmo erguer a cabeça, sorriu palidamente e continuou calado ao seu canto. Vez ou outra olhava fixamente para o Alfredinho, que lá fora morria de rir com suas próprias piadas. Depois de alguns minutos levantou, despediu-se do pessoal e foi embora. Na outra semana o Vitório desencarnou.