Conflito de dois corações
Resolvemos pegar a estrada ao amanhecer. Íamos prestar uma visita não agradável à casa da tia Carol já que se tratava de um ato fúnebre. Braguinha seu esposo havia falecido de um ataque cardíaco fulminante.
Chegamos cedo. A rua e a casa nada mudaram depois de tanto tempo.
Observei logo na entrada da sala que uma mulher chorava e se lastimava repetindo a perda e o nome do defunto. Pensei que deveria ser algum parente que não conhecia. Procurei a tia Carol que logo apareceu meio chorosa dirigindo-se ao caixão onde se encontrava Braguinha todo engravatado e honrosamente vestido em uniforme da Banda de Música da qual fazia parte. Estranhei que a outra mulher ao ver tia Carol aumentou o tom de voz e chorava mais alto.
Depois das condolências de praxe me afastei um pouco e perguntei a uma das minhas primas quem era aquela mulher que não largava o caixão e chorava desesperadamente. Esta acenou para que nada dissesse, pois era a amante do pai. Indignada com a presença importuna da mulher pedi a tia Carol para retirá-la do recinto. Para minha maior surpresa foi à posição e justificação que ouvi: - Não filha. Não faça isso. Braguinha antes de partir pediu para que a aceitasse como amiga e assim fiz. Sua vontade está sendo cumprido, ele assim quis. Tentei de alguma forma conversar com tia Carol que aquela situação não estava correta. Parecia o filme “Dona Flor e seus Dois maridos” de forma invertida: “Braguinha e suas duas mulheres”. Toda família estava conformada e aceitava tudo naturalmente.
Por volta das nove horas chega a Banda de Música, amigos, vizinhos, e lá vamos pelas ruas com o cortejo até a capela do cemitério. Assisti a cerimônia de corpo presente, revi alguns amigos e todos abismados comentavam a cena que continuava. Conflito de paixões que amam um só coração, caso de novela mexicana, diziam.
A reza terminara. O povo saiu. Tia Carol com as filhas e netos também se retiram em rumo à cova já aberta. Achei estranho que o caixão permanecia na capela e a mulher abraçada ao caixão não largava o defunto. Sai em busca de tia Carol e perguntei se era ou não para enterrar Braguinha. Esta mim afirmou que sim. Poderíamos trazer o cadáver. Chamei alguns homens e entrando na capela a mulher desesperou-se: - Não! Não! Não levem Braguinha. Betão, homem forte e destemido, tomou a tampa do caixão e parafusando o mesmo dizia: Braguinha agora com duas mulheres ou sem mulher vai ser enterrado. Pegou o caixão colocando nos ares. Ouvimos o zelador da capela que gritava: - Por favor, não saiam com o defunto pela cabeça vire o caixão e saia pela porta com os pés. Betão engraçado respondeu: - Com cabeça ou pés Braguinha agora vai ser enterrado. Leva o caixão nos ares entre as covas e túmulos.
Enfim a sós, em cenário de família, a sua legítima esposa, filhas, netos e parentes tem o direito da última despedida. Enterram Braguinha em seu túmulo a sua última morada.
Ma Socorro
OBS: Essa história é verídica. Aconteceu no interior do Ceará.