Velha Anedota

A noite era morna e seca. Sentado no sofá da sala de frente para a porta, e com os braços apoiados nas pernas meio abertas, o velho médico conversava com seu filho, um famoso dermatologista, que acabara de chegar da capital. Esta conversa se dava por volta das nove horas e prometia se prolongar altas horas da noite, porque a chegada dele fora o acontecimento do ano para a família: a casa estava em festa. Os irmãos e as irmãs, ao todo sete, haviam deixado suas casas, pouco a pouco, movidos um a um pelo mesmo desejo de ver o irmão, mais velho, médico como o pai, na sua primeira visita depois de formado, há oito anos. Tinham muito para conversar e comemorar.

O pai, cheio de orgulho não cabia em si de tanta satisfação. Conversavam, animadamente, quando chegou um amigo e antigo cliente do velho médico. Era um fazendeiro da região que viera para ver o rapaz, recém chegado da capital e aproveitar a visita para fazer uma consulta, pois a ferida que tinha na perna direita, tratada pelo velho médico há mais de vinte anos, havia piorado. Em todas as recaídas o procurava. Além disso, a pomada que o aliviava havia acabado, precisava de uma nova receita. A doença nunca sarava, mas ele já se acostumara com aquele tratamento e não se queixava.

O pai o apresentou ao filho. Ele já não o conhecia mais, por causa do longo tempo que ficara fora, estudando. Na presença do jovem falou do problema que estava tendo com a ferida e pediu uma nova receita para comprar a pomada que o aliviava por algum tempo. Maquinalmente, o velho médico redigiu a receita. O filho, ao ver aquilo, ficou horrorizado com a falta de informação do pai. Sabia que outros medicamentos mais eficazes já existiam e aquela pomada nenhum médico receitava mais. Então, para não ferir a vaidade do pai e a ética médica, ficou calado. Quando o fazendeiro fosse embora, conversariam, pensou. Falaria dos tratamentos modernos existentes, dos medicamentos mais eficazes, que existem para curar definitivamente, aquela doença.

O fazendeiro demorou mais algum tempo, o suficiente para tomar um cafezinho e trocar mais alguns dedos de prosa. Depois, pagou a consulta, agradeceu e foi embora. O filho preocupado em como falar ao pai, se pôs de pé e começou a andar pela sala, enquanto o pai o olhava, especulativamente, esperando que lhe dissesse algo, não entendendo tanto desassossego. O que seria?

É que o rapaz não tinha ainda encontrado uma maneira suave de falar ao pai, sobre os novos tratamentos da ferida de seu cliente, sem ferir o seu orgulho. Queria também, lhe contar das novidades existentes no mundo da medicina para curar muitas doenças de pele inclusive aquela. Após alguns minutos de indecisão foi direto ao assunto:

- Pai, o senhor sabia que já existe uma pomada, muito mais eficiente, que aquela que o senhor receitou e que cura a ferida dele com uma só aplicação? A pomada que o senhor receitou para ele, médico nenhum receita mais. O senhor precisa se atualizar e acabar com aquela ferida de uma vez. O pai ficou pensativo por alguns segundo e depois falou:

- Cala a boca, moleque, foi com esta ferida que te for-mei.