O CAPETINHA ERA UM SACI
VOVÔ JOÃO CALDAS E O SACI
Em Curralinho não há ninguém que não conhece essa estória. Houve até gente do exterior com o bolso recheado de dinheiro nobre que ousara a compra do neguinho. A fama é que ele era um amuleto para ganhar dinheiro. Mais muito dinheiro mesmo, um montão. Logo que o Coronel receberá a sua honrada patente, fazia uma das suas diárias visitas à chácara que ficava um pouco pra cima do Rio das Pedras. Ainda não havia a ponte naquele local e era ali a passagem de boiadas, viajantes e toda a novidade que demandava a Velha Capital. Na época da seca, era tão raso o rio que dava até para atravessá-lo a pé.
Meu avô sempre o fazia em sua imponente charrete puxada por dois cavalos de cores constratante e sempre bem aparados. Numa dessas passagens enxergou algo vermelho no buraco em um dos galhos da velha gameleira. Muito curioso desceu da charrete, amarrou os cavalos dentro dágua e foi ver do que se tratava. Ao se aproximar sentiu um forte cheiro de fumo, mercadoria da qual era comerciante, mas desta vez não consegui pelo cheiro identificar a safra do produto. Quando olhou dentro buraco levou um baita susto o neguinho de Gorro Vermelho, também assustado, num salto pulou do buraco começando a correr “mactolamente” do meu avô que o chamou:
- Vem cá o coisinha bonitinha, vem cá que o vovó que conversar. Toma aqui um pedaço de fumo dos bons... Nisso o Saci-Pererê parou sentiu o cheiro do fumo e voltou. Dizendo:
- Assim dá pra conversar...
Depois de muito papo o neguinho faz uma proposta:
- Eu gosto de jogar. Mentira contra mentira, quem contar a maior mentira fica dono do outro, por dez anos... O vovô pensou, repensou e disse:
- Você pode me esperar até eu voltar da chácara? Com o consentimento ele se foi e o Saci voltou para a toca da gameleira. O Coronel que nunca mentira, integro como ele só, pensava como mentir; então concluiu. Vou contar-lhe uma verdade Já na boca da noite voltou com o maior ar de sabichão, pensando esse pestinha não pode ganhar de mim. Ao adentrar o rio gritou:
- Amigo Saci-Pererê apareça... Em um só salto ele se postou no barranco, colocou o cachimbo de um lado da boca e ficou a escutar, o coronel fez o mesmo.
- Fala o senhor, disse o Saci...
O Coronel então disse:
- Aqui nessa terra só tem gente educada, eu sou da terra, portanto a gente deixa a visita falar primeiro...
- Ta bão, ta bão, então lá vai. Quando eu vinha vindo pra cá, pelas bandas do rio Uvá, na fazenda do Nhó Cesariano nasceu uma novilha com um corpo só, mais com duas cabeças, dois rabos e oito patas, agora conta a sua...
- A mais ou menos meia quarta daqui, faz, mas ou menos cinqüenta luas, bem na porteira da fazenda Palmital, o Senhor Augusto Bailão viu um lenço vermelho caído no chão, abaixou e o pegou, levantando percebeu que havia alguma coisa dentro do lenço. Ao abri-lo tremenda supresa, dentro estava dois mil reis...
- E qual é a mentira?...Indagou o Saci...
- Espera você não deixou eu acabar de contar a estória, então ele levou para casa aquela pequena fortuna, comerciante velho guardou o lenço com o dinheiro no cofre, abriu uma página no livro de conta corrente, creditando ao lenço vermelho a importância encontrada...passou um bom par de meses, entrou na sua loja o Joaquim da Lora, vizinho da fazenda Palmital, com a cara aborrecida. O Senhor Augusto perguntou o que havia acontecido então ele contou a estória do lenço, do dinheiro até quantas cédulas estavam nele e é por isso que eu não vim lhe pagar antes "Seu" Augusto. O comerciante foi até o cofre pegou o pacote e perguntou:
- É esse aqui?...
O Saci nem titubeou, ouvindo que a mentira do Coronel era maior do que a sua, pulou para dentro da charrete falando:
- A onde o Senhor quer que eu fique?...
O coronel pegou um litro de leite cheio derramando o conteúdo nas águas do rio e lavando-o em seguida, falando:
- Aqui dentro...
O Saci-Pererê pulou para dentro do litro de vidro branco:
- Vou ficar aqui dentro dez anos, mas não esqueça nunca do meu fumo, e dos bons!...
Goiânia, 04 de OUTUBRO 2011.