O VELHO E SEU PÉ DE JERIMUM MÁGICO
Ainda era verão, e o vento morno que soprava ao cair à tarde vindo do poente, transportava os últimos resíduos de calor deixado pelo o astro rei, que acabava de transpor a linha do horizonte, no seu mergulho vespertino. Uma a uma as vacas leiteiras iam se achegando, desfazendo a fila indiana que ordenadamente formaram pela trilha que as conduzia até o curral. Chegavam ao cocho para suas lambidas, umas mais, outras menos, dirigiam ao tanque de água, após saciar do precioso liquido que era empurrado por um carneiro hidráulico, transpondo o aclive da íngreme vertente em um cano de meia polegada; cada uma se ajeitava estendida no leito coletivo para o seu repouso, pondo-se a ruminar, exalando o odor do capim gordura ingerido nas verdes pastagens.
Na abobora celestial as sombras do crepúsculo se confundiam à verdejante floresta e a franja da divisória entre a terra e o céu, unindo o longínquo horizonte com o teto azul do infinito. A obscura paisagem que enchia os olhos era magnífica. Pontinhos luminosos iam surgindo, quase invisíveis na imensidão, ao longo da galáxia. O vento morno cedia lugar para a brisa que vinha transportando os aromas silvestres embarcados na sua lentidão. Algumas aves de Hábitos noturnos passavam, ora nas alturas, ora em vou rasante rumo aos banhados. O silencio era quase total, apenas a respiração do rebanho e a musicalidade da natureza que aos poucos também adormecia. Quando a escuridão tomava de assalto a face da terra, vinha à lua. Meia amassada, esnobando beleza trazendo com ela meio São Jorge, montando seu corcel espantando o mito da escuridão empurrado pela magia vomitada em seu belo e cadenciado luminar.
Incentivados pela magia vaga lumes, coelhos e preás saiam de suas tocas, e então o curiango começava a prometer: - amanhã eu vooô... amanhã eu vô...!
O momento era mágico, embora meu ego cobrava-me aquela solidão. Meu olhar tornara-se andarilho vislumbrando na longínqua paisagem a mais de vinte milhas o ofuscante piscar de luzes, donde estava minha família, toda a razão de minha luta por melhores dias; cumprindo meu dever; ordem natural, para o aprendizado de meus filhos.
Sentado na cabeça do coxo após um instigante dia de trabalho, era eu, apenas uma mera figura daquele cenário; um instrumento de Deus a serviço de sua divina criação.-
Ao recolher-me, sentado na sala, entre um trago e outro fumando seu cigarro de palha estava meu companheiro. Velho e desgastado pelo peso da idade, um anjo em figura de gente, que eu, o acolhera na tentativa de resgatá-lo das garras do alcoolismo.
Enquanto prepara-me para o banho ouvia suas estórias, as quais eu as sabia de cor, contadas repetidamente centenas de vezes.
-Oé quando nois morô La na santacruce, meu pai prantô um pé de abobra jirimum, nadivê quele deu dizoito carrada! - Que tamanho era o carro Seu Antônio? –Oé carro grande de quarenta balaios!- Seu Antônio da pra fazer uma diferença ou não?
Passado mais de meia hora, o vinha com uma lamparina na mão da sala para a cozinha. – Oé eu acho qui foi dizoito carrada mêmo num dá mode fazê diferença não!
-Ta bem seu Antonio, seu pé de abobora deve ser mágico, se há um pé de feijão mágico, porque não, um de abobora também-, não é verdade?
-Venha tomar seu leite com farinha, para que possamos botar nossos esqueletos no descanso, que amanhã é mais um dia de trabalho que temos pela frente.
Este foi meu cotidiano durante as décadas dos anos setenta e oitenta, o período escolar de meus filhos. Ocasião que acolhi um idoso alcoólatra, com o intuito de ampará-lo. Fui compensado por sua companhia. Morando na roça sem energia elétrica e os confortos que ela nos proporciona. Mas valeu o sacrifício porque tive um grande aliado “Deus” que colocou no meu caminho minha alma gêmea, minha querida esposa. Que eu amo de paixão!