OS RASTROS DA ONÇA
Sempre que passo em algum lugar de minha bucólica vida fico prestando atenção aos rastros. Em tempos chuvosos aparece todo tipo de rastro de bicho e lá de quando em vez da temível onça parda. Nos tempos secos entre um rastro e outro aparece sempre o de uma serpente que tem mais facilidade de deixar sua marca na poeira. Tanto no barro como na poeira não poderia esquecer de meu próprio rastro que também some com o tempo. Sempre fico pê da vida quando um trator barulhento apaga qualquer tipo de rastro como se seu pneu tivesse um direito maior. Mas em algum lugar do universo a luz vai continuar a refletir os rastros.
Os rastros que deixamos pela vida nos fazem imortais, principalmente nas verdadeiras amizades que sobrevivem a qualquer trator turbulento. Mas cada vez mais está difícil manter uma verdadeira amizade. Tem tatu que divide seu buraco com a serpente porque não se alimentam um do outro; tem humanos que não se suportam dentro da mesma casa mesmo tendo vindo de uma mesma mãe; ou, pior, sendo geradores de uma prole. Estamos ficando individualistas ao extremo a ponto de uma amizade verdadeira ser uma coisa cada vez mais rara.
Talvez o cimento, que não deixa rastros, está tirando do ser humano a própria essência do ser. Talvez até essa multidão de gente andando sozinha no meio de tanta gente esteja procurando um rastro qualquer. Como não acha nada, anda pela rua com um celular no ouvido tropeçando em seu próprio lixo ou em algum pedinte que não deixa de ser um lixo humano. Quando conseguem levantar os olhos é para algum ponto de ônibus ou metrô lotado, para algum sinal de trânsito que sempre está fechado como se estivesse sobrando por ali.
Infelizes humanos que em alguns lugares não tem direito a um metro quadrado para viver seu rastro de lixo. Feliz onça parda que consegue demarcar seu território dependendo da disponibilidade de alimento e ainda consegue deixar seu rastro fúnebre na poeira da estrada...
JOSÉ EDUARDO ANTUNES