UM CAIPIRA NO TRIBUNAL

Chico Aroeira sonhava com melhores condições de vida para seus filhos. Porem estava muito difícil alcançar seu objetivo. Vivendo naquele ermo distante da cidade sua única opção seria rezar e pedir a proteção divina para que não a faltasse à chuva na hora certa e sua terra produzisse o necessário para a sobrevivência da família.

O sitio era pequeno, terra com pouca fertilidade, herança deixada pelo pai, um espólio dividido entre ele e mais seus quinze irmãos. Todos lavradores e analfabetos vivendo em extrema pobreza. Em princípio a coisa não ia tão mal, trabalhavam nos arredores para os fazendeiros da vizinhança. No decorrer do tempo as fazendas foram sendo vendidas a um estrangeiro que investia em latifúndios visando apenas ganhos futuros, tirando as condições de trabalho para a sobrevivência daqueles matutos sertanejos. Os irmãos aos poucos foram perdendo suas condições, vendendo suas terras e migrando para a cidade. Enfim restou apenas o Chico apegado ao torrão natal aprisionado pelo seu valor sentimental. Ia levando a sua vida de caipira cultivando sua terrinha e complementando a alimentação da família com a pesca muito abundante no rio que cortava sua terra, bem próximo, ao fundo do seu pobre casebre.

Certa manhã após um intenso temporal, Zequinha o filho mais velho, um guri de dez anos, que ajudava o pai carpindo a roça de milho, desceu à margem do rio para apanhar uma cabaça de água. Como o rio aumentara seu nível, com chuva que caiu durante a noite, o moleque notou algo estranho sobre leito em uma enorme coivara que descia. Embora com sua pouca idade, e nadando tão bem como qualquer peixe, atirou na água e foi averiguar. Deitado sobre ela no amarfanhado de cipó e uma lona o corpo de um homem flutuava, parecia morto. Com muita habilidade o guri a puxou até a margem e gritou pelo pai. Resgataram o sujeito e o colocaram sobre o barranco em local seguro.

Correu até a casa chamou a mãe e os irmãos mais novos, e juntos conseguiram levar o pobre homem, até a cabana. Notaram que ainda respirava com muita dificuldade. Chico lhe aplicou um banho quente vestiu-lhe com suas roupas de algodão, e aquecido, em poucos minutos ele já respirava com normalidade voltando a si. A mulher com sua sabedoria sertaneja preparou-lhe um chá de ervas adoçado com mel slvestre. Antes do anoitecer o homem já recuperado, louvava a Deus, vestido de caipira e tomando chá numa cuia, contava a trágica história ocorrida.

Armaram sua barraca de pescador muito próxima do rio e o inesperado vendaval o arrastou para o seu leito, seus três colegas não tiveram a mesma sorte que a sua, que agarrado a lona da barraca conseguiu se equilibrar sobre uma enorme galhada. Lutou até desfalecer levado pela corredeira.

No dia seguinte o moleque Zequinha o guiou, por trilhas entre a floresta até a estação ferroviária a vários quilômetros daquele ermo. Onde pode telegrafar e pedir socorro.

Três meses se passaram, ele voltou ao local, desta vez de helicóptero, pousou numa pequena clareira próxima ao casebre do Chico, que a esta altura estava dentro da tulha escondido com mulher e filhos quase sem poder respirar de tanto medo. Nunca vira antes uma engenhoca daquelas.

Assim que o aparelho cessou a barulheira do motor, meio que ressabiados eles foram saindo aos poucos. Reconhecerem o homem que nem se identificou, na ocasião que fora salvo, e eles muito simples, não tiveram a curiosidade em perguntar de quem se tratava.

-Voltei para agradecer o heróico ato deste valente garoto por ter salvado minha vida. Houve certa demora para que eu retornasse devido às buscas aos meus colegas que infelizmente não foram encontrados-, não sei se me apresentei, mas meu nome é Rodolfo tenho uma grande indústria de tecidos na cidade e quero levá-los comigo. Você e sua esposa terão um bom emprego com moradia, e todos os direitos trabalhistas e o mais importante estudo para vocês e seus filhos. Quero fazer do Zequinha um profissional de carreira, é o mínimo que devo oferecer como recompensa.

Em pouco tempo Chico já não era mais o Chico caipira, e sim o senhor Francisco respeitado por todos os funcionários que teriam que lhe prestar obediência como supervisor da empresa. Zequinha estudou fez direito e se formou, sendo invejado por muitos, colegas que não sobressaíram nos estudos como ele.

Sua primeira causa foi em defesa de um empresário que embora vindo de família humilde, após passar por sérias dificuldades e privações, subiu na vida, e querendo ser justo teve o cuidado em liquidar todos os seus débitos contraídos na pobreza. E ao procurar uma senhora que certa vez há muitos anos, lhe matara a fome cedendo meia dúzia de ovos cozidos. Ficando o compromisso que os pagariam assim que houvesse condições.

Teve uma surpresa desagradável, a mulher lhe apresentou uma conta cuja cifra cobria todo seu patrimônio. Como o valor apresentado era impagável e ele só se dispôs a pagar o capital com juros e correção monetária, como manda a lei. A mulher entrou na justiça, dizendo que os ovos lhe dariam seis frangos que vendidos compraria uma leitoa e que a mesma iria produzir dez filhotes e castrados iriam render cem @s, que vendidas compraria cinqüenta bezerras que iriam render centenas de outras crias que renderia dinheiro suficiente para comprar uma grande fazenda, que produziria recursos para adquirir outras tantas fazendas.

E assim foi marcada uma audiência, sendo a mulher representada por um advogado renomado naquela cidade. Zequinha o doutor caipira como ficou conhecido, se atrasou. O tribunal cheio de curiosos atraídos pela polêmica que o caso repercutiu. Estavam impacientes, o promotor e juiz com os nervos a flor da pele já querendo suspender a ausência. Em fim, entra Zequinha: - desculpem-me vossas excelências, se me atrasei foi por uma causa justa e nobre, estava eu cozinhando meia quarta de feijão para meu pai plantar!

-Caíram todos em gargalhadas, o juiz nervoso pediu ordem e se dirigiu ao doutor caipira:- o senhor não tem competência para defender seu cliente, além de atrasar esta audiência ainda vem com este argumento absurdo? – Exatamente excelências estão vivendo a era dos absurdos e temos que nos adequar a eles colocando em prática nossa capacidade inovadora, dona Quitéria produziu um grande patrimônio com meia dúzia de ovos cozidos, - também eu pretendo produzir feijoada, acarajé, e muitas outras iguarias plantando feijão cozido... Recomendei ao meu pai adubá-lo com pés e orelha de porco, bem temperados, assim vamos colher um produto de primeira qualidade.

O doutor caipira foi aplaudido de pé pela platéia saindo vitorioso daquele tribunal.

Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 22/09/2011
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