Uma estranha noite

Aconteceu num domingo de verão de minha adolescência cheia de encantos...

Estávamos eu e um amigo passeando no jardim do Museu do Ipiranga.

Na época, eu tinha 17 anos, e esse meu amigo era uns 6 anos mais velho do que eu.

Resolvemos então visitar o museu do Ipiranga.

Uma deliciosa coincidência acontecia. Em todas as salas que a gente visitava,

uma moça mais nova e outra um pouco mais velha pareciam nos acompanhar.

Até que na saída do museu, não sei como aconteceu, começamos a conversar,

eu e a moça mais nova que depois fiquei sabendo o nome dela....Fátima.

Depois de conversar um pouco, me apresentei e também apresentei a elas o meu amigo

que se chama Joaquim Lino. Apesar dele ser mais velho do que eu, ele era muito tímido.

Logo me interessei pela mais nova com quem passei a conversar mais e o meu amigo passou a conversar com a moça mais velha (essa não consegui me lembrar mais do nome), que depois se apresentou como tia da moça por quem eu me interessei.

Após uma hora passeando pelo jardim do Museu do Ipiranga, já parecíamos dois casais de namorados, eu e ela e o meu amigo e a tia dela. A Fátima já demonstrava a mim uma namorada de a muito tempo.

Depois de uma hora, daquele encontro maravilhoso, cheio de abraços e beijos, chegou a triste hora da despedida.

Levamos as moças ao ponto de ônibus para elas irem embora. Antes, trocamos telefones.

Após elas se despedirem de nós, eu e o meu grande amigo que ainda o é até hoje,

ficamos contando vantagem de nossas preciosas conquistas.

A tia dela, sim era bonita, mas a sobrinha, ulálá....era linda demais. Até ele que nunca concordava quando o assunto era esse, naquele dia ele concordou.

O meu coração ficou ansioso para o próximo reencontro.

Na segunda-feira, nada de ligação dela. Na terça-feira também nada. O meu amigo

não tinha também recebido nenhuma ligação da namorada dele, que e era a tia dela.

Já estava ficando ansioso e me desiludindo de um possível reencontro que talvez

nunca mais fosse ocorrer.

...

Na quarta-feira, logo após aquele maravilhoso encontro. Fui trabalhar desanimado, querendo esquecer o que talvez fosse somente um lindo sonho.

Cheguei ao trabalho normalmente, às 8 horas em ponto. Entrei, fiz algumas

coisas e sai de minha sala, escutei ao longe o meu telefone da sala tocar. Um colega de trabalho o atendeu e gritou o meu nome para que o atendesse.

Achando se tratar de alguma coisa referente ao trabalho, vim apreensivo, achando

que já fosse um problema logo cedo. Assim, um pouco nervoso, atendi ao telefone.

O meu coração simplesmente disparou ao reconhecer aquela deliciosa voz do outro lado, me chamando de meu querido. Era ela. Eu nem conseguia conversar com ela direito, tamanha a minha emoção. Se alguém olhasse em meu peito, certamente veria o meu coração saltitando de felicidade. Um colega de trabalho disse que os meus olhos estavam brilhando. Mal conseguia pronunciar algumas palavras, mas consegui falar o necessário. Após conversarmos um pouco, ela me perguntou o que eu iria fazer naquela noite.

Eu sei que mesmo que eu tivesse um encontro com o presidente da república,

eu diria certamente que não iria fazer nada.

Ela então me convidou para eu ir encontrá-la. Ela sairia às 17.30h,

e trabalhava em Santo Amaro, na capital de São Paulo. Eu trabalhava no centro,

próximo a rua Líbero Badaró.

Fiquei contando as horas para sair. Nunca vi as horas se arrastarem tanto

até chegar a minha hora de saída. Como o bairro dela era distante, eu pedi

ao meu chefe para sair mais cedo, a fim de chegar lá no trabalho dela,

exatamente na sua saída. Eu era novo, mas com 17 anos, já era um chefinho

na empresa onde eu trabalhava. Mas acima do chefinho sempre tem o chefão, não é?...hehehe

...

No horário por mim calculado para sair de meu trabalho, eu sai. Ansioso fui até o ponto de ônibus para ir ao encontro daquela linda moça que me encantou logo no primeiro olhar.

Ah, esqueci de dizer que a linda moça era dois anos mais velha do que eu.

No horário combinado, lá estava eu no local que ela havia me informado para ficar.

Até hoje sou assim, horário combinado comigo, jamais chego atrasado.

Não parava de olhar no relógio e nem percebi a aproximação dela. Chegando pertinho de mim, ela falou com a voz mais suave do mundo....olá! E em seguida me abraçou.

Que começo de noite feliz já estava sendo pra mim. Tudo indicava que seria

a melhor noite de minha vida.

Combinamos tomar um suco, comemos um lanchinho próximo a um cinema que tinha na época, lá no Largo 13 de Maio.

Ela então sugeriu que seria muito bom irmos ao cinema. Achei a idéia ótima.

Isso já era passado das 18:00h. Nem assistimos ao filme direito. Na verdade,

não entramos para assistir filme nenhum e sim para beijar e trocar carinhos deliciosos.

Nem percebemos o quanto rápido passou aquela sessão. Já era hora de ir embora,

pois era uma quarta-feira, e outro dia seria novamente dia de trabalho.

Fui levá-la ao ponto de ônibus. Ela morava em um bairro, distante mais de meia hora do Largo 13 de Maio. Não queria mais me desgrudar dela. Enquanto o ônibus não chegava,

nós dois juntinhos não parávamos de nos olhar, sorrir e também beijar. Acho quem nos olhasse, só veria uma só pessoa de tão grudadinhos que ficamos o tempo todo.

Chegou o ônibus. Era hora da despedida quando ela sugeriu brincando que eu fosse junto. Bobo como estava, entrei com ela no ônibus. Chegamos lá na casa dela já passado das 21 horas.

Ela me apresentou à sua família. Após apresentados, eles foram assistir televisão

e nós dois ficamos numa área fora da casa que tinha um murinho, namorando.

...

Só escutamos após algum tempo, ao longe, os pais delas se despedirem

de nós dizendo que iriam dormir.

Delícia que estava aquela noite. Uma noite dos sonhos, dos melhores sonhos.

Nem percebemos a hora passar. Quando olhei no relógio já era passado pouco

mais de meia-noite. Dei um pulo e disse a ela – Preciso ir embora!

E ela, claro, precisaria também dormir para trabalhar no outro dia.

Não sei como os pais delas nem disseram nada a nós dois. Afinal, numa quarta-feira,

dia de trabalho, e até aquela hora, né?

Eu e ela nos depedimos rapidamente, e após um delicioso beijo lhe perguntei

onde era o ponto de ônibus mais próximo. Eu nunca havia ido por aqueles lados.

O bairro dela era um bairro novo, em formação. Tinham muitas casas iguais, todas novas.

E a casa dela ficava não muito distante do ponto do ônibus. Mas, para chegar até lá, cortando caminho, eu tinha que pegar uma estradinha de terra subindo. Já que esse

bairro ficava em um local baixo e o ponto de ônibus em uma estrada, Estrada do M Boi Mirim, num local alto.

Assim que cheguei no ponto de ônibus, num local isolado, cheio de mato pelos lados. Vi alguém saindo de um desses lados, através do mato. Era um homem, uns 8 anos mais Velho do que eu, presumível. Acho que naquela hora para mim naquela hora, ele tinha uns 3 metros de altura. E olha que eu não era baixo com 17 anos. Já tinha 1,80m. Eu me assustei demasiadamente. Era para mim um assaltante com certeza naquela hora da noite....faltando 20 minutos para uma hora da manhã, sabia isso porque eu não parava de olhar ao relógio todo o tempo.

Então para apavorá-lo, e mostrar que o perigoso de verdade ali era eu. Comecei a andar de um lado para o outro, gingando, assobiando, com as mãos na cintura mostrando que ali eu era o rei do pedaço. Quis mostrar ao máximo a ele, a minha alta periculosidade. Eu sabia falsamente fazer isso. Eu era perigoso somente para matar baratas. Nunca tive medo delas.

E se seguia assim, o homem com os olhos fixos em mim, e eu também com os olhos fixos nele.

...

Não o perdia de meu campo de visão um só instante.

Eu com certeza estava fazendo ali o olhar mais sério e macho que eu pude fazer

em toda a minha vida. Acho que até hoje ainda não consegui fazer nada

parecido com aquele olhar daquele momento, naquela estranha noite.

Acho que ficamos umas três horas assim, um encarando ao outro. Eu andava

de um lado ao outro, o encarando e ele também andando e me encarando.

Até ter passado essas longas 3 horas de 10 minutos...ele puxou conversa comigo

perguntando as horas. Então, olhei ao relógio rapidamente para não perdê-lo

de vista e anunciei com a velocidade da luz, a hora a ele. Estranhamente,

naquela estranha noite, notei que ainda faltavam 10 minutos para uma hora

da manhã. Mas, aqueles 10 minutos em que ficamos nos encarando, se pareceram

três horas sim!

A sensação do tempo é estranha, não acham? O tempo tem dessas coisas.

Quando eu estava feliz com a minha namorada, as horas voaram tão rapidamente

que até a hora eu perdi.

Diante daquele homem ali, antes de conversar com ele, o tempo parecia parado.

Ele então, exclamou – Nossa Senhora! Quase uma hora da manhã, não tem mais

Ônibus aqui nessa hora!

Ele então me contou que estava na casa da namorada e tinha perdido a hora.

Eu fiquei mais relaxado, desmachei os meus 5 metros de altura que imaginei

que eu tinha ficado para me mostrar a ele que eu era um feroz leão. Passamos

a conversar normalmente, disse para ele que comigo havia acontecido igualmente.

Nisso, olhamos ao longe umas luzes de um carro, parecendo um taxi. Em cima estava aceso o letreiro. Sinal de que estava livre. Eu e ele combinamos de pegá-lo.

Nós dóis demos com as mãos para ele parar. O motorista do taxi até que diminuiu a velocidade para parar, em se aproximando de nós, ele acelerou parecendo até um piloto

de fórmula 1.

Ele então me olhou desanimado e me disse – Aqui não passará mais ônibus até chegar cinco horas da manhã.

..

A minha noiva mora aqui. Então sempre estou na casa dela. Já me aconteceu uma vez, e ainda bem que era um pouco mais cedo, havia mais pessoas aqui, e andamos até o próximo bairro que se chama Jardim Ângela onde tem ônibus a madrugada toda. Daqui até lá, levaremos mais de meia hora andando rápido. Ele me alertou...Essa estrada é muito perigosa. Os bandidos desovam cadáveres na beira dela.

Antes, estava assustado com esse homem, na verdade, um rapaz e nem era tão alto, era bem mais baixo do que eu, percebi isso depois de me relaxar. Ele me informou depois que tinha 24 anos.

Disse a ele – Então, não temos outro jeito e o que nos resta é caminhar e que Deus

nos acompanhe.

Andando, até chegarmos ao Jardim Ângela, ele me contou sobre a sua vida.

Morava próximo ao largo 13 de Maio. Trabalhava como Garçon no Brooklin.

Assim que chegamos, já tinha um ônibus parado. Entramos no ônibus apressadamente para não perdê-lo.

Ele fez questão de me pagar a passagem, apesar de minha recusa.

Quando entramos e sentamos, ele disse que queria me dizer uma coisa.

Eu então pedi a ele para falar.

..

Querendo mostrar que estava atento ao que ele ia me falar, me endireitei

no banco do ônibus, prontificando-me a ouvi-lo. Ele começou a falar....

- Amigo, hoje foi uma estranha noite para mim. Estou aqui agora aliviado

te vendo um homem de bem. Achei que nessa madrugada seria o último

dia de minha vida. Assim que cheguei ao ponto ônibus, nem bem te vi direito,

porque antes notei um brilho em sua cintura. Pensei....é uma arma. (era moda na época, cinturões grossos com imensas fivelas, e era um cinto assim que eu usava).

Este alguém ai é muito perigoso. E quando você me encarava e assobiava. Achei

que você estava aguardando somente a melhor hora para me matar.

Mas, depois olhando em seus olhos notei algo de bom, então me arrisquei a conversar,

afinal, eu não tinha nada a perder mesmo.

E quando você sorriu, senti um imenso alívio em meu coração. Sabia que você

não tinha então se antipatizado comigo e que eu sobreviveria. Nunca passei um medo

tão grande em toda a minha vida como o que passei naquele instante

em que ficamos parado nos encarando naquele ponto de ônibus.

Eu sorri a ele. Ele desceu antes de mim, próximo ao largo 13 de maio. Antes, me deu o endereço de onde ele trabalhava.

Demonstrou querer ser um amigo daquele momento em diante.

Até passado algum tempo, combinamos com amigos da empresa e fomos fazer uma

confraternização no restaurante em que ele trabalhava.

..

Naquela estranha noite, estranhamente, esqueci de dizer a ele que eu também

tinha passado o maior medo de toda a minha vida. Achei que seria o meu último dia

de vida.

Eu o encarando com medo e ele me encarando com medo....hehehe! Dois medrosos!

Fiquei tão satisfeito em ter saído daquela situação que me esqueci de dizer a ele isso. Ou talvez, no íntimo eu quisesse somente passar aquele ar a ele de alguém poderoso.

É, um poderoso matador de baratas, e imensamente medroso.

Mas que a noite foi estranha, isso foi!

Não me lembro direito se eu borrei as calças.

Mas também se isso tivesse acontecido, um machão como eu que desafiou um homem com mais de 3 metros de altura, em plena madrugada, num dos lugares mais perigosos de São Paulo, não escreveria aqui, não acham?

Hoje eu conto essa história, dou risada, quem a ouve também ri. Mas no dia,

ô vontade danada de chorar. hehehe!

Antonio Pizarro
Enviado por Dom Galaz em 15/09/2011
Código do texto: T3221151
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