O CAIPIRA QUE PEGOU UM LADRÃO NO CEMITÉRIO
Zé era filho de caipiras, nascido num pé de serra longe da civilização. La nos cafundós do sertão onde o Judas perdeu suas botas. Filho de pais analfabetos que nunca freqüentaram escola.
Nasceu com um problema, segundo dizia a mãe era língua agarrada. Quando conseguiu pronunciar as primeiras palavras já era um garoto de quatro anos. Mais feio que briga de foice no escuro.
Cumpria a promessa da mãe, só poderia cortar os cabelos quando completasse trinta anos.
Convivendo apenas com o pai e mãe não teve como aprender um palavreado adequado para viver socialmente, sem ser molestado. Se a linguagem do caipira já é divertida imagine o pobre Zé com sua língua pregada. Prtaticamente apenas os pais entendiam bem o seu torpe linguajar.
Descoberto por um sertanista que vivia a cata de riquezas, naquele remoto sertão. Zé que conhecia bem suas trilhas, e tinha faro selvagem, começou a prestar-lhe pequenos favores na busca de ouro e pedras preciosas no leito do rio que cortava aquela imensa região.
Alto magro com seus quase dois metros, embora tivesse apenas quinze anos, com seu tino apurado em pouco tempo se tornou um excelente guia para expedição do sertanista Gaspar, que explorava todos os afluentes do grande rio.
-- Emérito mergulhador logo ganhou a confiança e amizade dos companheiros. Aprendeu rapidamente a lidar com os utensílios da garimpagem e ficou feliz ao receber sua primeira recompensa pelo trabalho prestado ao explorador de esmeraldas. Desapegado aos bens materiais se sentiu gratificado, levando aos pais os bens de consumo que vinham da corte, adquiridos, na chalana do mercador Pinta Roxa que descia duas vezes por ano comercializando com os aventureiros, nativos e silvícolas arranchados nas barrancas daquele imenso rio que serpenteava adentrado pelo longínquo sertão. Acostumados a viver somente do que a natureza oferecia em pouco tempo os pais que jamais conheceram as modernidades existentes, foram aos poucos mudando a forma de agir e pensar influenciados pelo sertanista amigo.
Embora os pais relutassem contra, Gaspar os convenceu e conseguiu permissão para levar o Zé a capital da província na viagem que faria aproveitando o retorno da chalana de Pinta Roxa. Seria apenas três meses de estadia na cidade, oportunidade onde o matuto além de conhecê-la poderia aprender um pouco sobre as maravilhas da vida.
Na capital o sertanista Gaspar locou uma pequena casa próxima ao cemitério e a um grupo escolar que servia o bairro. De cabelos longos despenteados, e barbicha em crescimento, Zé começou a meter medo nas crianças que freqüentavam a escola, exceto no Juquinha um garoto destemido de bom coração e muito aplicado. No principio Zé observava e era observado, a distância, aos poucos foi se achegando passando a observar a movimentação na sala de aula pelo vão da janela. Com sua aproximação as crianças apavoradas, já não se concentravam na aula. A professora procurou o policial responsável pelo contingente militar do bairro, que o recolheu e levou preso.
Juquinha não concordou com atitude da professora argumentando que o pobre homem tinha um olhar terno e piedoso, parecia inofensivo. Ela o respondeu que prevenir é sempre melhor que remediar.
Levado para o distrito policial foi colocado numa sela provisória, numa sala ao lado, um policial civil já idoso e aposentado discutia a questão de roubos e violação de túmulos no cemitério, analisando o caso que estava a cargo de outro velho colega.
Começaram a oitiva do Zé sem muito sucesso. Devido à dificuldade em se pronunciar, levaram certo tempo para decifrar suas palavras. – Seu nome, por favor? – Zé! – Mas Zé de que? – Bilinguote! – Como Bilinguote? – Home qui mata deize inrola o resto no chicocote!
–Chamaram o delegado que por sua vez, tentou entendê-lo, mas, logo percebeu se tratar e de um pobre coitado com dificuldades em se pronunciar. O investigador responsável pelos misteriosos furtos e violação de túmulos no cemitério era conhecido como mão de ferro, tentou jogar sobre seus ombros a culpa, pelo crime, que ocorria há tempos. O delegado sendo um homem justo não permitiu que o mesmo se tornasse o bode expiatório de um caso não resolvido, até então.
Juquinha morador nas imediações da escola, inconformado com a prisão, ficou de vigília próxima a residência do sertanista Gaspar que se ausentara a negócios, o colocando a par da situação assim que ele regressou. Em pouco tempo estava o Binlinguote de volta acompanhado de Gaspar e Juquinha.
No dia seguinte Juquinha era invejado pelos colegas exibindo como prêmio por sua generosidade, um chaveiro de esmeraldas confeccionado pelo Zé Bilinguote. Uma doação de Gaspar. O fato mudou completamente a situação do Zé, que de réu passou-se a herói, e o medo transformou em euforia e os alunos a disputar sua amizade dividindo com ele seus lanches e o aplaudindo, tentando decifrar aquela linguagem sem definição que a professora atribuía como bilíngüe. Não tardou todo o corpo docente da escola estava aplaudindo o Zé sentado na ultima carteira da sala de aula, com as melhores notas em seu boletim improvisado.
Em pouco menos de dois meses sem trabalho algum à professora, Bilinguote estava apto a enfrentar o mundo moderno. Seus cabelos longos foram tratados, sempre bem barbeados, mudaram completamente sua aparência caipira. Sua amizade e seu carinho fizeram com que todos os alunos aprendessem a estranha língua pregada do caipira Zé Binlinguote. Amado por todos, ninguém admitia sua partida para o sertão, Bilinguote se tornou parte daquele cenário com sua figura diferenciada e amável.
Faltavam apenas duas semanas para seu retorno ao sertão, ocorreu o falecimento de um figurão da sociedade. O sepultamento ocorreu com pompa e luxo, uma multidão o conduziu ao seu rico mausoléu ornamentado com farto acervo mortuário em obras de arte, coisas granfina de milionário.
Na manhã seguinte ao sepultamento entalado no portão do cemitério, preso a uma armadilha, um mascarado de ponta cabeça, era o misterioso violador de tumulo. Bilinguote o capturou com uma armadilha de apanhar animal selvagem.
Ouvindo a discutição a respeito, por ocasião de sua prisão, jurou a si mesmo, que o entregaria ao delegado como recompensa por ter sido generoso e justo com ele. Desde então passou a vigiar por conta própria e em silêncio o cemitério. Quando retiraram a mascara, uma surpresa, debaixo dela estava Mão de Ferro!
O caipira partiu para o sertão aplaudido pela população, se sentindo aliviada.