O CUMPADRE MUQUIRANA
Como em todo Brasil, em minha terra também tivemos aquele cara mal visto, mal amado e com o pior dos defeitos; pão duro de doer, daí o apelido Zé Muquirana. O Zé era daqueles que se sentava à mesa sem ser convidado e na hora da conta falava que tinha esquecido o dinheiro em casa. Entrava nas festas sem ser convidado causando um mal estar tremendo entre os convidados porque abraçava a primeira turma que via com coisa que fossem amigos íntimos. Carregava sempre um violão como se aquele instrumento fosse seu passaporte para qualquer tipo de comemoração. Só tinha uma vantagem; cantava qualquer tipo de música, e cantava, cantava, comia, comia, bebia...
Além de tudo, diziam as más línguas que ele era “quebrado”, expressão usada no interior para falar que o cara é bem dotado de órgão sexual. Também diziam que as poucas mulheres que se arriscaram a ter com ele uma relação ficaram traumatizadas porque além do tamanho do bicho era um homem de poucas preliminares. Daí a dificuldade a arrumar um casamento. Mas como se diz por aqui; toda panela tem sua tampa, quando virou cinqüentão apareceu uma de pouco escrúpulo que se arriscou igreja a dentro, toda de branco, recebendo uma aliança de prata e sonhando com o cofre que o Zé tinha guardado a sete chaves.
Pouco tempo depois, o Zé Muquirana que ficava ligado a toda festividade, foi para uma cidade vizinha onde a que tudo indicava teria comilança de graça. Aconteceu por lá um acidente onde falavam que tinha morrido um tal de Zé mas ninguém sabia o qual. Como o Muquirana era o mais popular, esparramou-se a sete ventos que o maledito tinha ido acertar suas contas com o capeta. A viúva não sabia se sorria ou chorava lágrimas de crocodilo. Mas já era mais de meia noite quando o Zé chegou em casa. Achou estranho aquelas velas pela casa e nem sinal de sua esposa. Quando entrou no quarto onde guardava o cofre se deparou com ela, toda vestida de preto, dando belas gargalhadas em cima de sua fortuna, fortuna essa construída em cima de uma vida inteira de abstinência gastronômica. Diz que o home levou um baque tão grande que caiu duro por causa de um enfarto fulminante. Também dizem por aí que ele tinha sido orientado a tomar remédios para baixar a pressão arterial, mas não se disponibilizou a gastar dinheiro com tamanha “bobagem”.
Na mesma época, também viveu por aqui o Zé dos Anjos. Homem de fino trato que tratava as mulheres com o devido respeito tanto no lado intelectual como na hora do coito. E foi esse Zé dos Anjos que tinha morrido na cidade vizinha, num acidente besta onde uma besta duma mula atravessou a estrada quando o bom Zé estava passando de carro. E o Zé dos Anjos também teve de acertar suas contas com o capeta porque não doou à igreja parte de seus ganhos.
- História cumprida demais, cumpade?
- Carma. Mais quando o Zé dos Anjo chegou na porta do inferno o capeta falô prele que tinha duas porta pra escolhê.
- ...
- Quando ele abriu a primeira era uma turma morreno afogado nos esgoto.
- Credo cumpade!
- Na segunda era uma turma seno eletrocutada mais tinha um ainda vivo que falô prele procurá a porta onde tava o Zé Muquirana.
- Ele achô?
- Saiu correno do capeta e entro numa porta iscundida...
- Fala cumpade?
- Cê num vai acriditá...
- Fala logo!
- Tava lá o Zé Muquirana transano com a Giselle...
- Meu Deus!
- Mais o capeta mais isperto, chegô, fechô a porta e falô pro Zé dos Anjos que aquele lá era o castigo da Giselle.
- Mais antão, o Muquirana que passô a vida inteira surrupiano arguma coisa dos outo vai levá um vantajão desse?
- Carma cumpade. Cê já imaginô passá o resto dos tempo, transano ca mema muié?
- É memo cumpade. Vai inté sará a quebradura.
- Tô te falano....
JOSÉ EDUARDO ANTUNES