O INCÊNDIO E OS DORMINHOCOS
Sábado
Década de 80, nós morávamos numa casa de madeira pintada de verde, parte da casa ficava para fora da cerca, numa esquina próxima ao principal colégio de Papanduva, Santa Catarina, eramos sete pessoas, o pai e a mãe, eu e mais três irmãos e uma irmã.
Como todo sábado, minha mãe fazia 7 pães ou broas, e assava-os no forno a lenha que ficava junto ao paiol, próximo da nossa casa. A brasa que sobrava da queima da madeira utilizada para aquecer o forno, era tirada e deixada embaixo dele.
Sempre a mãe apagava as brasas com água do tanque de lavar roupa que ficava do lado. Mesmo sem saber a mãe já tinha uma consciência ambiental, pois naquela época ninguém falava disso, ela reutilizava a água que acabara de utilizar na lavagem das roupas, para regar a horta e o jardim, e claro a apagar as brasas do forno.
Naquele sábado, minha mãe fez a rotina de sempre: assou o pão no forno a lenha, tirou a brasa, jogou a água do tanque para apagar as brasas...
Após o jantar, tudo estava calmo, a última checagem se o paiol estava trancado, se as portas e janelas estavam fechadas, nada de anormal. Assistimos alguma coisa na televisão e lá pela meia noite todos fomos dormir. A piazada mesmo que quisesse ficar assistindo a televisão até de madrugada, não dava, pois nossa irmã dormia na sala, e ela sempre queria dormir cedo.
No meio da madrugada de domingo, o inesperado... quem primeiro percebeu o que estava acontecendo foram os Furtados, vizinhos do outro lado rua, donos do mercado que ficava em frente a nossa casa, eles acordaram com o barulho e a claridade, e já levantaram preocupados.
Mas para alívio deles, não era nada com o mercado deles, e sim com a casa do vizinho... e já foram pegando baldes e mangueiras para ajudar a apagar o incêndio que clareava o céu daquela madrugada.
Quando os vizinhos chegaram meu pai já estava de pé, devido ao barulho das telhas de barro estourando com o calor e da claridade vinda do fogo, acordou sobressaltado correndo rapidamente para fora e a mãe atrás.
O silêncio da madrugada havia sido quebrado pelo barulho das telhas estourando, e a claridade das chamas do fogo havia escondido a lua que até aquele momento reinava sozinha na escuridão.
A claridade do fogo tirou a concentração dos jogadores de caxeta que também foram ajudar a apagar o fogo. Outros vizinhos foram acordados pelo barulho das telhas e também correram para prestar auxílio.
A vizinhança toda se reuniu para ajudar a apagar o fogo, naquela época não existia corpo de bombeiros na cidade, somente na cidade vizinha e tampouco o telefone era comum. Então era o pessoal mesmo que tinha que dar conta do recado e acabar com o fogo.
O fogo já estava grande, e provavelmente começou com o vento que soprava em alguma brasa que não havia apagado totalmente, fazendo o fogo ressurgir. É aquela inocente brasa que serviu para aquecer o forno, sobreviveu umas seis horas para depois acordar todo mundo.
Ajudou a propagar as chamas o estoque de lenha que ficava do lado forno, e o paiol era todo em madeira.
Era uma confusão de gente querendo ajudar, correndo com baldes dos mais variados tamanhos e cores, era uma profusão de mangueiras de jardim pra todo lado, cidade pequena era assim antes, todo mundo se conhecia, todo mundo se ajudava, todos querem colaborar.
Uns ajudavam tirando água do poço, nós tínhamos um poço de água bem no meio do quintal, outros jogando os baldes com água no fogo, outros jogando água com a mangueira, a água era jogada com força e rapidez em direção as chamas e em direção das tábuas que ainda resistiam ao calor e também ao telhado onde o fogo estava prestes a dominar.
A luta não era fácil, as chamas teimavam em sobreviver, o fogo era forte e não iria se entregar tão fácil.
Algumas crianças perambulavam tentando ajudar, para desespero dos pais que tinham que largar os baldes e tirar eles de perto do fogo.
Todos empenhados em amainar aquela fera que iluminou e aqueceu a madrugada fria, e destruía vorazmente a madeira seca, a preocupação de todos era que o fogo não se espalhasse e atingisse a casa, pois o paiol que jazia em fogo e a casa ficavam próximos, e a casa era de madeira também.
O tempo foi passando, os vários baldes de água que foram jogados e o esforço de todos começaram a dar resultado, as chamas que anteriormente iluminavam a madrugada diminuíram, o fogo foi morrendo, a tensão e o medo das pessoas que ajudavam também aos poucos foram desaparecendo.
A correria e o medo causado pela imagem das chamas consumindo a madeira, agora se transformara em algumas piadas para descontrair e aliviar o cansaço do esforço solidário de ajudar um vizinho em plena madrugada de domingo.
O fogo já estava dominado, algumas pessoas ainda continuavam jogando água para não sobrar nenhuma brasa que pudesse reacender. Outros, como investigadores profissionais ou palpiteiros de plantão tentavam descobrir os motivos que levaram ao incêndio, e uns já começaram a ir para suas residências, pois já estava quase amanhecendo e o cansaço e o sono chegava.
Aos poucos o pessoal ia se despendido, meus pais não sabiam como agradecer a ajuda e colaboração de todos, só tinham um sorriso e as palavras:
- muito obrigado pela ajuda! Precisando de alguma coisa pode contar conosco!
Os vizinhos respondiam:
- nem se preocupe seo Libio , e se precisar de alguma coisa é só chamar!
- não fizemos nada mais que a nossa obrigação dona Miguelina!
Os jogadores de caxeta voltaram para o jogo, pois para eles ainda era cedo para ir dormir, e não perderam animação e saiam dizendo:
- agora que to aquecido, minha sorte vai mudar! hahahaha
- vou recuperar meu dinheiro que tava perdendo pra esses marrecos!
- vai nada... agora que vai perder o resto dos trocados, seu pato!
- vamo rápido seus trouxas, que quero acabar com o dinheiro de vocês e ir dormir!
Aquela correria, aquela movimentação de pessoas de um lado para outro acabou. Aquele barulho do fogo estalando e das pessoas falando, cessou! Os últimos vizinhos foram embora, o silêncio voltou a reinar juntamente com a lua que voltou a dominar a penumbra da madrugada, mas ela já estava ameaçada novamente desta vez pelo sol, que dava sinais ao longe de que estava acordando.
Meu pai e minha mãe estavam cansados, mas tiveram forças de agradecer a Deus pela ajuda de seus vizinhos e também por não ocorrer acidentes e nem pessoas machucadas ou feridas.
Não tinham mais nada para fazer naquele hora, ainda assim verificaram mais uma fez se não tinha alguma brasa viva. Não tinha, haviam jogado água suficiente. Olharam para aquela cena do paiol parcialmente destruído, restava uma boa parte do paiol inteiro, molhado mas inteiro.
De manhã poderiam avaliar melhor o estado do paiol que sobrou.
Domingo de Manhã
Domingo acordamos de manhã, já preparados para irmos na missa como todo o domingo, mesmo que não estivéssemos estão dispostos, éramos influenciados pelo nosso pai. Eu e meus três irmãos, dormíamos num quarto pequeno onde cabiam somente as duas beliches, e tinha um pequeno, digo minúsculo corredor para subirmos na cama.
Nossos pais já estavam de pé, estranhamos pois eles estavam com cara de cansados, até parecia que tinha chegado da balada, parecia nós alguns anos mais tarde, quando chegávamos seis da manhã em casa, acabados da noite em claro e um pouco de álcool na cabeça.
Mas quando estávamos indo ao banheiro, que naquela época ficava fora da casa, paramos de repente...
O paiol e principalmente onde ficava o forno de assar pão... paralisamos... estava destruído, tudo queimado.
Perguntas surgiram, nós três perguntávamos perplexos ao mesmo tempo:
- hã?! o que é isso?
- o que aconteceu?
- mas como?
- como que foi isso?
- que horas?
- quem apagou?
- como começou?
- quem fez isso?
- por que não me acordou?
- donde tantos baldes e mangueiras?
Aquela cara de espanto em frente aquela imagem de destruição, aquela cena de madeira e tábuas pretas que fora queimada pelo fogo, cacos de telhas espalhados pelo chão, a calçada cheia de lama, cinza, restos de madeira queimada, uma cena triste de ver, baldes e mangueiras espalhados.
O paiol queimado... mas como não havíamos escutados nada, nada mesmo...
- e os gatinhos? Perguntamos agora recuperados do susto e preocupados com os gatinhos que tinham nascidos a poucos dias, a casinha deles ficava embaixo do assoalho do paiol, bem abaixo da porta.
A mãe respondeu que eles estavam bem, aquela parte não pegou fogo, sobrava uma parte do paiol intacta, só foi chamuscada pelo fogo mas não chegou a queimar, mas a mãe e os filhotinhos estavam vivos, sãos e salvos.
Nossos pais contaram o que aconteceu. Eles na correria e preocupação não tiveram tempo de nos acordar. Só sabemos que temos um sono pesado, alguns ainda até hoje, pode tá caindo o mundo que não acorda.
Nós quatro no quarto a poucos metros daquilo, embaixo praticamente do fogo e não ouvimos nada, as pessoas falando, gritando encostadas no nosso quarto, o barulho das telhas de barro estourando, a claridade do fogo, nossos vizinhos, nossos amigos de infância que brincávamos todos os dias juntos, ajudando e nós... dormindo! Eita sono pesado.
Mas o pai falou:
- não se preocupem, como vocês não ajudaram a apagar, vão ajudar a limpar toda essa bagunça!!!
Um bom sono para vocês...há e a dúvida em relação a nossa irmã... ela acordou de madrugada!!