O CHURRASCO SUMIU

Meados da década de 80, num sábado de uma manhã qualquer de um mês de inverno em Papanduva, cidade pequena do interior de Santa Catarina, nosso pai veio com a notícia:

- hoje a noite vou fazer um churrasco!

Meu pai deve ter recebido uma grana extra, pois na época, as condições da nossa família não permitiam o churrasco como hoje, quase que rotina, todo final de semana estamos comendo carne. O pai trabalhava fora e ganhava salário mínimo para sustentar quatro moleques e uma menina arteira, a mãe para ajudar costurava para a vizinhança.

Aquela notícia nos deixou eufóricos o dia todo. Estavamos ansiosos para chegar a noite e comer o churrasco, todos queriam ajudar a fazer alguma coisa: varrer o quintal, cortar a lenha, cortar grama, lavar a louça, carpir a horta, passar cêra no assoalho, lustrar o assoalho, tratar as galinhas e os porcos, ou o porco, ou era os coelhos nessa época... não importa, geralmente não queríamos fazer nada.

Ou pelo menos hoje eu penso que fizemos isso, mas talvez não ajudamos tanto assim, afinal éramos crianças e queríamos é só brincar.

O dia foi passando, a tarde foi chegando. A mãe estava fazendo pão caseiro, 7 pães gigantes assados no forno a lenha, você acha muito? Agora imagina 5 mortos de fome em fase de crescimento, sentados na mesa para um lanchinho, era pão com doce, pão com margarina (e açúcar em cima), pão com banha (nos dois lados), pão com torresmo, pão com banana...

O forno de assar os pães era junto ao paiol, dava uns 5 metros da cozinha. A brasa retirada do forno serviria para o pai fazer o brazido para assar o churrasco.

Os pães já estavam assados e a noite já estava se achegando junto com o frio.

O pai já havia feito a nossa churrasqueira, com alguns tijolos e pedras em volta das brasas utilizadas para aquecer o forno de assar os pães.

O pai estava todo contente, havia feito uns espetos duplos de ferro, utilizou uns ferros de construção que haviam sobrado na empresa em que trabalhava.

O pai já havia temperado a carne de manhã, com sal, cebola e pimenta. Eu acho que era um alcatra, ou melhor eram dois pedaços de carne, um para cada espeto, um pedaço grande e outro pedaço pequeno.

Já estávamos todos envoltos da churrasqueira aguardando a lenha colocada sobre as brasas pegar fogo, para após o pai colocar os espetos com as carnes. Nisso a noite já estava sobre nós, e já esfriara bastante, mas nós não queríamos saber de sair do lado do fogo, fazíamos aquela algazarra, não escutavamos que a mãe estava chamando todos para dentro da cozinha, até que o pai teve que falar:

- todos já para dentro, está frio aqui!

E lá foram, quase quem em fila indiana e cabeça baixa as 5 crianças para a cozinha, meios ressentidos, pois queríamos ver a carne sendo assada.

Mas passou alguns minutos estávamos correndo pela casa, da cozinha pra sala e vice versa, aquele tumulto e algazarra de crianças falando (ou berrando) ao mesmo tempo, pulando e correndo pela casa (nossa casa era de madeira) algumas brigas e choros é claro surgiam, pois um tinha derrubado o outro, um pegou um brinquedo que era dele....como qualquer criança normal, ou quase.

Nosso pai já havia colocado o espeto com o pedaço de carne pequeno para assar, e ficava entrando e saindo da cozinha para cuidar da carne, o que incomodava a mãe, pois estava entrando um vento frio pela porta aberta, e a porta aberta era um convite para nós sairmos.

O pedaço de carne pequeno ficou pronta e o pai fez um tira gosto, para atiçar ainda mais a nossa vontade de carne assada, não deu nem para repetir. Ele já havia colocado o pedaço grande para assar, esse iria demorar um pouco mais, a carne era grossa e grande, mas nós não estávamos com pressa não.

O pai ficava entrando e saindo pela porta aberta, até que a mãe mandou:

- feche essa porta! Esta entrando um vento gelado, e essas crianças vão querer ir lá perto do fogo!

O pai fechou a porta e foi lá para fora... daqui uns minutos voltou e fechou a porta, e disse:

- tá tudo pronto aqui na cozinha?, daqui a pouco a carne deve ficar pronta!

A mãe, confirmou:

- aqui tá tudo pronto, só estamos esperando a carne! as crianças já estão com fome!!

E nós já cansados de esperar, ansiosos, todos em volta da mesa, com os garfos e facas na mão gritávamos:

- queremos carne! queremos carne!

Mais alguns minutos se passaram, o pai falou para alegria geral:

- vou buscar o churrasco!

Nisso abriu a porta saiu e fechou, gritos de alegria, como se fosse um gol em final de copa do mundo.

Não deu tempo de gritarmos o final da palavra gol, quando o pai voltou rapidamente e abriu a porta nervoso e perguntou:

- quem foi?

Todos se olharam e ninguém entendeu nada e a mãe disse:

- quem foi o quê?

O pai respondeu seco:

- quem foi que pegou o espeto com o churrasco?

Aquela alegria inicial, agora um misto de desconfiança, ficamos quietos.

O pai continuou:

- não foi nenhum de vocês que pegou o churrasco?

A mãe respondeu:

- eles não saíram da mesa, estão aguardando o churrasco. E você

pare de brincadeira e traga essa carne, que estamos com fome!

Nesse tempo todos já estávamos de pé em direção a porta, atrás do pai que já havia saído e deixou a porta aberta.

Fomos até a churrasqueira, não tinha nada lá, só a brasa. O pai já estava procurando pelo jardim e quintal, estava escuro, vai que algum cachorro tinha tentado arrastar o churrasco. Nós também começamos a procurar.

Andamos pelo quintal e jardim inteiro, procuramos perto da cerca, os portões estavam fechados, não havia ninguém e nenhum movimento na rua... o churrasco havia sumido, desapareceu, não havia rastro, não havia sinal de nada.

Após vários minutos de uma busca incessante, sem encontrarmos nada chegamos a uma conclusão: alguém furtou nosso churrasco.

Após um dia inteiro de espera, aquele aguardado churrasco que havia sido preparado com todo o amor, havia desaparecido, assim como nosso entusiasmo, estávamos tristes, e o pior ... agora também com fome.

- E agora, o que fazer? Nossos pais deviam estar se perguntando, além da pergunta: quem seria capaz de ter furtado nosso único espeto com o churrasco?

Algum tempo depois, nossos pais sempre se superaram e acharam uma alternativa para saciar nossa fome. Para substituir a carne assada na brasa, partimos para aquele pão caseiro fresquinho e quente ainda, juntamente com um arroz cozido na hora e o que tinha na despensa ... carne de porco na lata (quando ainda não existia as geladeiras era um método de conservação da carne de porco, a carne frita era envolta na própria gordura e guardada por vários meses).

Não sei se ficamos satisfeitos com a substituição do cardápio, estávamos decepcionados, aquela longa espera para nada, furtaram nosso churrasco, mas creio que a carne de porco da lata foi o suficiente para saciar a fome e irmos para a cama de barriga cheia.

Hoje não tenho saudade do churrasco que não comemos, mas sim da carne de porco na lata... aquele cheiro da carne esquentando na panela de ferro em cima da chapa de um fogão a lenha se espalhando por toda a cozinha, aquele sabor inigualável, está me dando água na boca...

Obs.: o espeto foi encontrado vazio na manhã do dia seguinte, jogado no quintal atrás do forno, próximo a cerca do vizinho embaixo do pé de pêssego. Não encontramos o autor do furto.

Juvenal Tiodoro
Enviado por Juvenal Tiodoro em 07/09/2011
Reeditado em 03/04/2013
Código do texto: T3205480
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