Doutor Adevogado.

Doutor Adevogado.

Era uma manhã de julho em que o Tribunal estava lotado. Todos queriam ouvir a sustentação do advogado da parte apelante, renomado jurista, professor e mestre, que era conhecido em todo o Estado do Faz de Conta.

Após toda a cerimônia de se vestir e subir ao parlatório, o nobre advogado iniciou sua fala;

- Senhores desembargadores do Estado do Faz de Conta, temos aqui uma vítima do erro médico. Este senhor que é meu cliente foi vítima de uma irresponsabilidade que lhe roubou uma vida inteira e um futuro promissor, e eu vou dizer o porquê.

-Pois bem, este homem foi operado e lhe foi inserido um marca-passo para que sobrevivesse - em obediência ao médico aqui presente. Ocorre que após algum tempo, o mesmo realizou concurso público para a empresa pública Federabras, e pasmem os senhores, ele foi reprovado pelo serviço de medicina da empresa em questão, por usar este objeto em seu peito sem nenhuma utilidade.

Pigarreou, respirou, olhou para o alto, pensativo e prosseguiu:

- Um médico inescrupuloso inseriu neste homem um marca-passo, o que impediu que o mesmo, pudesse exercer um emprego, para o qual se preparara tanto tempo. Imaginem o sofrimento deste homem, o quanto foi difícil para ele lutar contra esta situação.

E prosseguiu com todo o seu poder de oratória o advogado, enquanto seus alunos se entreolhavam admirados com a pose e a imposição do mestre, como se estivessem diante de uma fonte de sabedoria:

- Nos lutamos tanto para obter justiça, mas não conseguimos devido ao corporativismo de quem usa o avental branco, vejam os senhores que todos os médicos peritos foram de acordo com o procedimento. Todos eles foram de acordo com a inserção de um objeto morto no peito daquele humilde homem!

Neste momento, os alunos do primeiro ano de direito já suspiravam sonhando com o dia em que poderiam ocupar púlpito e oferecer sua oratória á platéia, mas continuava o senhor advogado:

- Vejam mais, senhores, nós requeremos uma perícia de um psicólogo para apurar o sofrimento deste homem, uma perícia a respeito da necessidade do marca passos, diante do sofrimento do meu cliente, e a juíza, pasmem, simplesmente indeferiu. Isto mesmo, a juíza disse que a opinião de um psicólogo não interessa ao deslinde dos fatos sobre a necessidade ou não do uso de um marca-passos.

-Pelo exposto, recorremos contra o indeferimento da perícia e contra a decisão do juiz de que não teria havido erro médico.

E por fim, concluiu o orador:

- Senhores desta douta Corte, este homem está com um objeto estranho em seu peito que não lhe deixa viver. Está com um objeto morto que impediu seu progresso profissional, e todas as manhãs de sua vida, lembra-se de que vai viver toda a vida que lhe resta com aquilo em seu peito, desta forma requer-se que seja dado provimento a esta apelação.

O advogado da parte adversa, humildemente subiu ao palanque, e após as saudações de praxe, iniciou da seguinte forma;

- Não se pode conferir a alguém a culpa pelas agruras próprias da vida, como tem feito o digníssimo advogado da parte adversa.

- Na verdade o dr. Coração de Ouro, é uma referência em termos de cardiologia no Brasil, não só no Brasil, como em todo o mundo.

E continuou humildemente sua oratória:

- O Dr. Coração de ouro, tem doutorado em sua área, e tem obras publicadas em todo o mundo nos idiomas de português, alemão e inclusive hebraico, uma vez que é judeu.

Confusos os estudantes se entreolhavam:

- O instituto Bate Coração no qual o dr. Coração de Ouro trabalha, é referência em todo o mundo em termo de doenças cardíacas.

- O mal que acomete o autor da presente ação é provavelmente o denominado: “mal de Jonas”. Senhores julgadores, tem-se nos autos inclusive a indicação do próprio descobridor do mal, no sentido de se inserir o marca-passos, isso mesmo o próprio dr. Jonas John, que foi quem descobriu o possível mal que acomete o autor da presente ação, encaminhou uma carta de recomendação para o dr. Coração de Ouro, elogiando sua atuação e apoiando sua decisão.

Sem mais do que relatar os fatos, prosseguiu o advogado réu:

- No que se refere ao pedido da parte autora, no sentido de se ter uma perícia de psicólogo, acertada foi a decisão da juíza em não admitir algo que não faz parte do que é discutido na presente ação.

- E por fim, para arrematar, acrescentamos que retirada do marca-passos do paciente é um procedimento dos mais simples, e basta uma breve intervenção cirúrgica, o que, no entanto, o paciente não tem interesse, em função do dito “objeto morto” estar lhe garantindo a sua vida.

Ao fim da sessão de julgamento, o Tribunal se manifestou favorável ao Dr. Coração de Ouro, por unanimidade.

Enquanto se retiravam do Tribunal o autor da ação portador do marca-passos, se dirigiu ao médico réu dizendo:

- O senhor acabou com minha vida, o senhor é um monstro.

O médico respondeu-lhe:

- Prezado senhor, se tens tanto pesar no que se refere a um procedimento que só queria te manter vivo, então, vamos analisar a possibilidade de retirar o marca-passos.

Momento em que o advogado do autor surgiu triunfante com seu dedo ameaçador dizendo:

- Assassino, matador, homicida, prendam este homem - tentativa de homicídio, além de colocar um marca-passos em um homem acabando com sua vida, quer retirá-lo provocando a sua morte.

Todos estes fatos relatados são meras ficções que em nada se assemelham nem mesmo remotamente à vida real.

Isaias João
Enviado por Isaias João em 04/09/2011
Código do texto: T3200551
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