O CASAMENTO DO DOLI 2
“A vinda de Doli na Delegacia de Polícia”
Dias depois da peleia ocorrida no dia do casamento, Doli recebeu um “papel” que lhe disseram ser da Autoridade.
Não sabendo ler nem escrever, o índio se dirigiu ao comerciante mais próximo para ver o que significava o escrito. Era uma intimação do Delegado de Polícia para que Doli se apresentasse em dia e hora marcada na cidade, mais especificamente na sede da Polícia Civil.
Dois dias antes do compromisso, o recém casado pediu para sua amada que lhe aprontasse a melhor roupa que tinha, pois queria dar uma boa impressão para o Delegado.
Como os ônibus andavam em cavalo gordo naquela época e com receio de faltar ao compromisso da intimação, Doli resolveu fazer 60 km a cavalo.
Encilhou sua égua zaina, de sua montaria e confiança, sua mulher já havia lhe preparado a merenda e se guasqueou para a cidade. Chegou ainda de madrugada. A audiência estava marcada para as 09 h, Doli nunca havia vindo à cidade. Não conhecia nada!
De imediato a primeira preocupação foi onde deixar a zaina, já que a mesma estava com fome e cansada. A Delegacia ele, por informação, já sabia onde era. Faltava arrumar um lugar para sua montaria.
Andou um pouco pela cidade e logo se deparou com aquilo que mais tarde ele diria ser um “matinho”, providenciando, desde logo, em atar a zaina para pastar e descansar naquele local.
Nem bem a porta da Delegacia se abriu e Doli estava lá dentro, com o papel da intimação na mão, nervoso, procurando pelo Delegado.
Assim que chegou o Delegado, Doli, mais que ligeiro, se apresentou do jeito dele e disse a que viera. Momentos depois Doli estava se desmanchando em explicações para a Autoridade Policial sobre o caso que havia se passado no dia de seu casamento, quando desceu o facão no “negro” Dauro, ex-pretendente de sua amada que, sem convite, de carancho, lá se encontrava para desmanchar a festa.
Tudo estava ficando a favor de Doli, já que tinha reagido a injusta provocação de Dauro, quando da festa de seu casamento. As explicações eram dadas de maneira bem simples, porém objetivas e claras.
Nesta altura, o Delegado já tinha a ficha policial de Doli, totalmente limpa, fato que também favorecia o depoente.
A grossura era tanta que o Delegado, vendo a sinceridade, resolveu despachar o crioulo para que retornasse. O caso estava encerrado. Por outro lado, o Delegado já estava num suador de tanto ouvir explicações de Doli.
Foi no momento em que Doli estava colocando sua digital no depoimento que chegou um milico na sala do Delegado, com palmo e meio de língua de fora, com aquele semblante de puxa-saco, e disse que:
- Doutor o senhor não imagina?
Ao que o Delegado respondeu:
- Mas imaginar o que?
E o milico falou:
- A praça da cidade está desmanchada, tem uma égua lá comendo o que vem e aparece.
O Delegado em tom áspero perguntou:
- Mas e o que eu tenho que ver com isso?
Respondeu o milico:
- É doutor, mas e se eu lhe disser que o dono da égua é esse crioulo que o senhor está ouvindo?
O Delegado olhou para o crioulo, numa calma muito forçada, quase inacreditável e lhe disse:
- Negro, tu sai da minha frente agora, pega essa tua égua e te some para onde vieste. Não quero mais saber nada de ti. Some!
Doli, meio que sem entender o que estava se passando, se foi em direção ao local onde havia deixado a égua. Lá encontrou inúmeras pessoas. Não entendia nada. Foi quando um dos curiosos lhe perguntou:
- Mas tu não sabias que aqui era a praça?
Ao que Doli falou, com uma ingenuidade sincera e franca que desarmou os presentes:
- Não... sabe... eu nunca tinha vindo na cidade e isso aqui me pareceu um “matinho”.