O relativo ao coerente
Quando eu vivia nos refúgios dos bares, gostava de olhar as pessoas, os bêbados com seus alinhares de conversa, com seus passos tontos sobre o chão sujo que caíam a cada virada de tragos, as moças a cada virada de corpos, a cada virada nos olhos em que os meus tramavam em seguir na solidão e no desaconchego que sentia. E o meu pensamento ia embora com as doses, ia embora e embora aos prantos sem consolo, sem nem se quer um rabo de saia no fim de noite. Rastejava aquele corpo ao insano deserto dos vagabundos. De dia acordava com ânsias, sem vontade de fazer coisa alguma. Uma vez ou outra saía dos meus confins atrás de alguma utilidade, um afazer, queria dinheiro, queria mulher, queria um baú de grana e um pacote de sexo de três dias. E por algum motivo, sorte, ou como eu gosto de contemplar, uma grande e inusitada chance, arranjei uma merreca de emprego em uma escola pública. Eu era zelador. Tomava conta de limpar banheiros melados de merda, de limpar o chão, as salas, puta que pariu. E ainda tinha as chaves, os chaveiros, os livros. Beber só nos fins de semana, isso por que uma vez cheguei a escola bêbado e aquela diretora de belos seios quase me mandou para rua. Só não me despediu por que mostrei para ela umas coisas em sua sala que a fez mudar de ideia repentinamente pessoalmente.
Os alunos gostavam de minha presença. Passava nos corredores com aquele carrinho com utensílios de faxina e vários deles me conheciam por Jack. Outros me conheciam por Jack papa veia. Mas porra, a diretora não era tão velha assim e era gostosa. O trabalho até que não era lá tão mal e começava a gostar do serviço. Tanto do meu serviço para a escola, tanto para o meu serviço com a diretora. Era preciso passar meus dias naquela escola. Minha casa agora era ali. Não queria mais voltar para aquele velho imóvel lascado e fedido em que vivia. Tinha agora cama, comida e sexo de graça. Alguns de meus amigos perguntavam-me sobre o trabalho e eu dizia sempre a mesma coisa. Não tenho outra escolha, lá é bom, a diretora cuida de mim. Em um dia desses em que tudo pode ser o mesmo, você pode receber uma chamada para o bem da vida. Pode ser um tratamento quem sabe, uma mudança, tanto faz. Eu passei por algumas conclusões e cheguei a perto disso. Cabeças sem torneiras, sem papel, só com privadas cheias de restos fétidos. Talvez haja uma limpeza de vez quando, um desinfetante barato, meio vagabundo ou um desentupidor. Hei que agora só restam os desinfetantes e eu me pergunto sempre onde foi parar a bendita descarga. Não me achem louco, não tenho culpa se não entendem o mau cheiro culminando por aqui desde o ano de mil e alguma coisa. E talvez ninguém queira limpar.