O CUMPADRE ZÉ MUTRETA
- Dia cumpade?
- Dia.
- E a cumade?
- Cramando da idade do condor.
- Cumo assim?
- Tô cumdor aqui, tô cumdor ali, e vai por aí a fora.
- A idade judia memo né cumpade?
- Quesse sór quente antão!
- Qualé as nuvidade de hoje?
- Atráisantonte, tava lá na venda do Zé do Gôlo, tomando umas branquinha par ispantá o calor quando vi cus meus próprios óio.
- Quê que cê viu?
- Cê num vai acreditá.
- Conta aí cumpade!
- Cê sabe que o tar de Zé Mutreta cria uns porco caipira lá no arto da serra, num sabe?
- Sei, cê já me contô.
- Puis é, diz quele sórta as porca pra parí no mato e ispera inté uma semana prelas aparecê cus leitão.
- E daí cumpade, porca demora memo par vortá pra perto de casa cos leitão.
- Carma cumpade. Diz que o Zé Mutreta esperô quinze dia e nada, a porca num aparicia. Prucurô nos brejo, nas capetinga, no meio da roça de mio e nada da porca. Oiava pro céu par vê se via urubu voano e nada. Nem sinar de uburu e nem de sua porca.
- Antão perdeu a porca?
- Carma cumpade, esse causo só está cumeçano.
- Antão bamo tomá um café par fazê um paiêro?
- Bamo... Tocano a assunto pra frente diz quessa porca do Zé Mutreta é seu xodó. Diz quela fazia parte da primêra ninhada de porca quele teve a quinze anos atráis.
- Mais porco num dura esse tempão não cumpade? Nem cachorro num dura?
- Carma cumpade, o trem do home tem tistimunha! Diz quesse Zé Mutreta quando vortô pra roça ficô munto amigo do tar de Noratinho, caboclo bão e isperto, mansadô de boi e cavalo brabo e tamém matadô de boi e de porco.
- Êta história cumprida!
- Nóis só tá memo jogano prosa fora, dêxa eu contá. Diz que ficaram amigo memo.. Na primeira parida de sua nova porca deu uma leitoa pro Noratinho, levar dentro de um saco, na cabeça do arreio, inté três quilômetros de lunjura. O Noratinho num tinha chiquêro, arrumô um imprestado mais uma légua pra frente e foi tomá suas cachaças.
- Quê que tem isso cumpade?
- Carma cumpade, carma. A leitoa fugiu desse chiquêro de bambu e foi pará lá nas terra do Zé Mutreta.
- Truco cumpade?
- Verdade cumo dizia a Terta! Tempo chuvoso, o Noratinho caçadô e pescadô cumo ele era, seguiu os rastro e as focinhadas da leitoa pro dentro do rio e chegô lá nas terra do Zé Mutreta.
- Vai falá que a leitoa tava lá?
- O pió que tava.
- Seis ladrão, falá que uma leitoa de trêis mêis andô mais duma légua dentro do riberão pra vortá par casa! Nem queu fosse crente!
- Puis é, o pió ou o mais bunito, foi quela desceu primêro meia légua inté chegá nas incruziada dos rio e dispois subiu inté chegá in casa.
- Antão, do jeito que cê tá falano, porco é igual cachorro? Sente o chêro do dono?
- Sei direito não, nóis só cria os bicho pra cumê e já tá de bão tamanho.
- Vai falá que o tar de Noratinho levô a leitoa e ela vortô de novo?
- Não, o Zé Mutreta, munto dos amoroso, falô pro Noratinho que só na outa parição. Daquele dia em diante, aquela leitoa siria seu bicho de istimação.
- Vai caçá coquinho cumpade! Porco de istimação!
- Puis é, tão falano qué assim memo. A leitoa virô porca, já pariu mais de cem leitão e tava lá até naquele dia do cumeço da prosa, cê lembra num lembra?
- Ah é, a tar porca tinha sumido.
- Puis é, a porca sumiu dele memo. O home ficô triste cumo a gente fica quando perde um fio. Ficava sanzano na bêra do rio como se procurasse lambari distraído que a enchente deixô. Preguntava pos vizinho, subiu e desceu rio durante uma semana e nada, sem um sinarzinho da Nêga.
- Nêga? Vai me falá que a porca tinha nome?
- Tinha. Atindia pelo nome de Nêga.
- Pára quisso cumpade! Chega aquela história do Sinhô que ocê me contô isturdia.
- Mais é verdade.
- Antão continua a prosa.
- Puis é, diz que o Noratinho tava ajudano o Popota cortá arrôis lá nas terra do Zé Rosa e iscutô um baruio diferente no meio do canaviar. Caçadô cumo ele era, pegô a cartuchêra que tava dipindurada na arve ques armoçô e foi vê se matava uma capivara.
- Matô?
- Carma cumpade, era a Nêga do Zé Mutreta cum punhado de leitão.
- Mais lá é munto longe?
- Dá mais de légua né cumpade?
- Puis é, cumo quela foi pará lá?
- Do jeito que intindi, o Zé Mutreta sortô essa porca pa pari lá pro dia vinte e quatro de março. Dicerto essa porca cumeçõ fazê o ninho na bêra do rio, veio aquela chuvarada e a enchente das goiaba carregô ela inté lá.
- Custoso de acreditá que uma porca vai nadando na enchente inté mais de légua, num concorda?
- Mais tem ôta ispricação?
- Tá bão, vamo tomá mais café proquê essa história tá custosa de acabá.
- Cumo tava falano, o Noratinho ricunheceu a Nêga do Zé Mutreta e arrumô o maió fuzuê. Fêis pará a cortação de arrôiz e juntô o mutirão pra pegá a porca.
- Ele já sabia da história do sumiço da porca?
- Ês são vizinho de cerca e de buteco, cumpade!
- E aí, pegaram a tar de Nêga?
- Que nada, foi o maió fuzuê, tinha quinze home naquele mutirão e não cunsiguiram pegar a porca. Diz que o Noratinho inté pegô ela po rabo numa hora mais veio outro querendo pegá na oreia e ela acabô mordeno a canela dele. E teve ôto probrema, quando pegaram ela os leitão sumiram e nun conseguiram pegá ninhum.
- Cumé que acabô a história?
- Carma de novo cumpade. Acabô ês indoinbora sem pegá a porca e sem acabá a tarefa de cortá o arrôis do Popota. Cumo tinham que vortá no outo dia, o Noratinho foi avisá pro Zé Mutreta o aconticido.
- E o home, ficô feliz?
- Cumo! Diz queá muié dele falô que tava inté bebendo cachaça de tanta tristeza in perdê sua Nêga.
- Vai gostá de porco lá nas conchichina!
- Puis é, no ôto dia quando o Noratinho pediu pro Popota passá lá no Zé Mutreta pra sabê se pricisava de ajuda, o home já tinha sumido.
- Suzinho?
- Suzinho. Diz queá muié dele falô que o home num durmiu. Fêis um tanto de paiêro, torrô café, mueu um tanto no moinho que dava pes bebê café mais de mêis e antes do galo cantá, saiu.
- Vai falá quesse Zé Mutreta saiu de madrugada atráis da porca?
- Saiu. Quando a turma do mutirão chegô perto do arroizal já era umas oito hora da manhã. Diz que o Noratinho gritava: Ô Zé, nós tamo aqui, se você precisá, a gente junta todo mundo, pega a Nêga e os leitão tamém! O trator do Popota à disposição proquê o home era bão tamém.
- Que aflição cumpade! Gosto mais de suas piada do quê esses conto cumprido que num acaba nunca.
- Carma cumpade, a garrafa de café inda tá po meio, seu fumo bão inda num acabô; hoje é dumingo, a cumade tá fazeno um frango caipira par nóis; bamo cunversá!
- Tá bão cumpade. Caba a história.
- Num sei se vô acabá não mais diz que na hora do armoço, o Zé Mutreta saiu de dento do canaviar e falô pro Noratinho pará de gritá proquê tava assustano a Nêga.
- Cumo assim, preguntava o Noratinho.
- Dizia o Zé Mutreta: Vão imbora, acabam quesse mutirão queu levo a Nêga suzinho. Cês tão gritano munto! Tâo sustano ela!
- E daí cumpade?
- Diz que o Noratinho saiu da linha, mandô o Zé Mutreta caçá coquinho e foi imbora. Tinha base? O home dispensá ajuda de mais de déis home pra recuperá sua porca?
- E daí cumpade?
- Puis é, taí o cumeço da história. Tava nóis tudo na porta da venda, tomano uma pra vê a vida passá quando aparece o Zé Mutreta na istrada com a Nêga e mais treze leitão atráis.
- Pára quisso cumpade, hoje num é primeiro de abril não! Nem cachorra parida fáis isso!
- Puis é, me disse o Noratinho que o home levô, além da garrafa de café, uma garrafa d’água e um litro desses discartáve cheio de lavage. Na hora que a Nêga cansava, ele parava na bêra dum rio e dava um golinho prela.
- Vai falá que sem aluí um dedinho minguinho esse Zé Mutreta levô a porca pra casa?
- O pió que levô. Gastô o dia intêro proque tinha que pará pos leitão discançá. Nesse dia memo apareceu lá na venda o João Francisco priguntano se o Zé Mutreta tinha ficado doido porque viu ele dibaixo da ponte do Tunico Piva cunversano cuma porca.
- Mais esse home é doido cumpade!
- Doido é nóis que tem priguiça de plantá um pé de côve. O home tá lá no arto da serra; fio sadio, os fio da Nêga brincano no terrêro e ele na janela curtindo a vida passá.
- Vai falá que os fiotes tamém tem nome?
- Me disse o Noratinho, quesses dia foi lá matá um capado prele, iscutô o Zé Mutreta chamando os leitões de Neguinho.
- Antão cabô né cumpade, bamo armoçá proquê a muié já acabô de fazê o frango..
- Antão bamo, mas ôto dia eu conto ôta desse Zé Mutreta.
- De porco tamém?
- Não, tem a cavalo quele mansô sem pricisá pô freio, da cobra gibóia que cumeu o galo...
- Uh... vamo armoçá proque essa história de porco me deu uma fome...
JOSÉ EDUARDO ANTUNES