A COLEÇÃO DE SOLIMARIS
Um tal de Esperançoso Solimaris , caminhoneiro e cidadão exemplar de Chapada Alegre -MG, começou a adquirir desde muito cedo em seu casamento a mais formidável coleção de chifres que um homem jamais ousou possuir. A sua indigníssima consorte ( azar o dele ) era precisamente, nem mais nem menos, uma mulherzinha levada da breca.
Crisoldina Ferradas não dispensava ninguém que depilasse periodicamente a cara, desde o mais incauto estudante até o arisco carteiro de nome Girolândio Escrutínio.
Havia anos já que a casa de Esperançoso Solimaris recebia, pela janela dos fundos, a mais extensa variedade de visitinhas furtivas, coincidentemente sempre na ausência dele.
Ali frequentavam periodicamente, além de Girolândio, o vendeiro, o padeiro, o açougueiro, o serralheiro, o encanador, o eletricista, o bodegueiro, o funileiro, o pedreiro, o lanterneiro, o mecânico, o taxista, o cobrador, o pastor, o fiscal, o dentista, o soldado, o apontador, o agiota, o vagabundo, o vendedor, o borracheiro, o remedieiro, o marceneiro, o sorveteiro e mais de uma dezena de “eiros” que Crisoldina conseguia fisgar com sua piscadela
infalível.
Ora, a certa altura, teve a tal Ferradas a insólita idéia de catalogar os cornos que afixava na inocente fronte de Esperançoso Solimaris. Claro que o maior interessado na coleção não poderia sequer sonhar com o fantasma da sombra do tal catálogo. Por isso, Crisoldina fê-lo saber que resolvera começar uma coleção de caixinhas de fósforos.
Esperançoso aplaudiu vivamente a inocente idéia, pois a coitadinha precisava de algo para se distrair na sua ausência. Chegava mesmo a ajudar ativamente na aquisição das tais caixinhas e mandou o marceneiro fabricar a primeira prateleira para abrigar a infantil coleção.
E a coleção começou a prosperar a olhos vistos. Não os do marido.
A cada “ pedaço de berrante “ com que a mulherzinha presenteava o marido, ela punha na prateleira uma nova caixinha de fósforos.
Dentro de cada exemplar da coleção havia um papelucho que continha todos os dados do chifre que Solimaris acabava de receber: como data, hora e o nome do mecenas que contribuíra tão gentilmente para engrandecer a arte. Tudo em código que somente a artista conhecia.
Era coisa admirável de se ver como Crisoldina se empenhava estoicamente em aprimorar e engrandecer a maravilhosa e única coleção de Solimaris. A quem visse daria pena a exaustão da pobrezinha em sua infatigável labuta.
E a cada dia, a cada mês, a coleção crescia mais e mais. Já a primeira prateleira ficou cheia. Solimaris mandou fazer outra, maior e mais bonita, envernizada, uma beleza de se ver.
As caixinhas de fósforos eram de grande variedade: as comuns, as exóticas, as mais caras, as antigas, as nacionais, as estrangeiras, as raridades. Umas grandes e vistosas, outras minúsculas: um mimo. Grande variedade de caixinhas...
Chifres nacionais e estrangeiros. Novos e antigos. Grandes e minúsculos. Esquisitos e comuns. Grande variedade.
Crisoldina queria que a coleção fosse a mais completa quanto possível. O segredo do sucesso de qualquer coleção é a diversificação. Por isso, a coleção aumentava sempre. Tinha que aumentar.
Mas, ao cabo de alguns anos, a coleção parecia completa e Crisoldina passou apenas a repetir os exemplares. Cada vez mais tornava-se difícil obter um espécime novo, original, um chifre diferente, insólito.
Assim, a animação inicial foi arrefecendo.
Esperançoso Solimaris mostrava orgulhoso a magnífica coleção aos amigos que lá iam.
— Vejam! que beleza! a cada dia aumenta mais. Tem até exemplar japonês!
Crisoldina espanejava a coleção, trazia-a limpa e luzidia. Porém, triste por não poder aumentá-la em qualidade e importância. Precisava de algo novo, único, um chifre singular que ninguém no mundo tivesse. Mas onde? Como?
Por esse tempo, Chapada Alegre foi sacudida por uma novidade que ninguém sabia se era verdade ou boato. É que lá pros lados do vale, próximo ao rio, andaram vendo uns troços esquisitos que muitos juravam ser os tais discos voadores que traziam homenzinhos cabeçudos e brilhantes no escuro.
A história correu de boca em boca, de casa em casa. Não se falava mais em outra coisa que não nos tais discos.
Uns, de medo, não saiam mais de casa. Outros queriam porque queriam bater um papo com os caras cabeçudos. Já outros se armavam até os dentes para defender as mulheres e crianças dos tais sujeitinhos que brilhavam no escuro. A confusão era grande. E reclamavam do Governo que não fazia nada.
Crisoldina exultou com a história dos tais alienígenas que estariam visitando Chapada Alegre.
Era exatamente o que ela estava precisando para a coleção. Torná-la singular e exclusiva: uma caixa de fósforos de outra galáxia.
Não se fez de rogada. Solimaris estava em viagem. Ela tinha que aproveitar a oportunidade única.
Semanas depois, ao retornar da viagem, Esperançoso, deparou, no alto da prateleira do centro, uma nova caixa de fósforos. Só que essa nova caixinha tinha estranhas peculiaridades: era toda prateada e ninguém sabia abri-la.
A coleção estava completa.