091 - O SACRIFÍCIO DO BOI SOBERANO...

Fomos pescar lá no rio Taquari próximo da sua junção com o rio Coxim-ms, estávamos acampados na fazenda do Senhor João Ramalho, um mineiro que há décadas é proprietário de terras naquelas paragens:

- Paulista! Me faz companhia, vamos até a fazenda do compadre Firmino Moreira, vizinho aqui de cerca que ele vai matar um boi, e quer que a gente vá até lá, quer presentear carnes!

Não pude dizer não, usufrutuário de suas barrancas de rio, contrariado, pois não gosto de ver matar animais, fui!

Passamos por descampados e por belos bosques de altas árvores que exibiam velhices de idades em meio a um cipoal fechante, lá chegamos e logo avistei amarrado no tronco no meio do curral um imenso boi anerolado, chifres pequenos, largas barbelas balançantes, pra muitas dezenas de arrobas de peso.

Subi nas tábuas do curral e lá no alto sentei, amuado, calado, não podia mostrar todo o descontentamento que grassava as minhas entranhas, dezenas de vizinhos foram chegando, e o Senhor Firmino do boi se aproximou, estendeu a mão por sobre a cabeça do animal e o acariciou como se acaricia um filho, alisou o seu pescoço, conversou com ele baixinho como que se desculpasse pelo que iria acontecer, estremeci quando vi que ele retirou da bainha uma faca até que pequena era, na certa muito afiada, não consegui fechar os olhos pra não ter aquelas imagens na mente, quando o compadre do seu João Ramalho, num golpe certeiro na tala do pescoço do boi cortou aquela imensa veia jugular que de longe a gente vê nos animais, e o sangue esguichava distâncias, dava para contar as batidas do coração a cada esguicho de sangue que saltava.

Um silêncio medonho a tudo assomou, e o boi foi se enfraquecendo na sangria desatada, gemia desespero, seus olhos saltavam à vista, procurando amparo de seu dono, agora seu algoz, o boi não conseguia abaixar a cabeça pois o laço esticado não permitia, seus gemidos agora uma respiração ofegante, resfolegava, de longe se ouvia... Maldita hora que aceitei o convite de vir até aqui, pensava, por fim suas pernas traseiras foram dobrando e abaixando na terra sua anca, afinal, o laço garroteando mantinha a cabeça suspensa no alto do tronco, em meio aquela sangueira ele sucumbiu.

Pensei comigo, o homem é capaz de cometer todas as selvagerias imaginadas.

Facas, machados, amoladores, e outros utensílios nas mãos de tantos no destrinchar, quando me dei por mim já estava caminhando sozinho pela pastaria, absorto, longe de mim em tristezas desmedidas, daquela carne jurei não provar.

Das entranhas da alma um ódio assomava proporções assombrosas, pensamento ruim, tive vontades de matar aquele compadre do Senhor João Ramalho, amarrá-lo, pescoço no laço e no galho da aroeira pendurar depois de sangrado.

No meio daquela quiçaça fui alcançado por um menino magricelo que montava em uma égua também magricela no recado que Seu João Ramalho estava a chamar.

No caminho da volta não abri a minha boca, seu João Ramalho lendo meus pensamentos:

- Paulista! Pela amargura do seu semblante sei que desta carne você não come, mas uma coisa eu preciso explicar.

Este boi que morreu se chamava Soberano, nome tirado de uma música da dupla sertaneja Tião Carreiro e Pardinho, ao nascer ficou órfão, foi criado na mamadeira, virou bicho de estimação, andava solto no volteio da sede da fazenda, e por todos adorado, o compadre Firmino tem três filhos, dois meninos e a caçulinha uma menina, que das vezes no lombo do Soberano ela desfilava de tão manso que o boi ficou, mas veja bem meu filho, o meu compadre a todos dizia que o Soberano nunca iria pro frigorífico, haveria de morrer de velhices tão grande era a estima que tinham por ele, não se sabe porque, penso que foi coisa do tinhoso, o boi inesperadamente investiu contra a menina filha e com uma chifrada certeira tirou a vida da pobrezinha! Transcorridos dias do enterro, o compadre Firmino daquilo se vingou, ele está certo?

Ele está errado?

Do seu proceder somente ele poderá prestar as contas!

Naquilo que Seu João Ramalho ia discorrendo foi mudando o meu jeito de pensar e sentir do acontecido, me arrependi de ter desejado a morte daquele homem, fui dormir em meio a pesadelos horríveis, a vida é tão curta, mas tão vasta de ensinamentos...

Magnu Max Bomfim
Enviado por Magnu Max Bomfim em 17/08/2011
Reeditado em 30/05/2012
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