GENTE DO MATO

Não nego a ninguém que por esses lados de Minas Gerais eu já percorri bem umas setenta cidades e algumas localidades sem deixar de incluir lugares pouco comuns de se chegar, e o progresso não sabe onde fica e ninguém quer saber de lá. Mas em tais fins de mundo mora sempre um pessoal que de forma interessante dá uma dimensão diferente ao nosso ponto de vista de convívio entre as pessoas e não é bom querer trazer essa turma para fora desse cantos não, principalmente porque estando lá é voce o estranho e isso não deve ser esquecido hora nenhuma para a coisa não ficar esquisita ou acabar mal.

Conheci num lugar afastado uma família ao estilo Zé buscapé que não era nada a vontade na lida com o povo da cidade e se sentia bem pelos matos mas baldeava sempre pelas fazendas afora com distâncias desanimadoras e que lembravam os passeios do Guimarães Rosa por outras bandas da mesma Minas Gerais.

Esse povo, morador na beira de uma estrada semmovimento só via gente rareando por isso quem chegasse tinha que se entrevistar com um cachorro misto de viralata e pastor alemão e quando chamava pela casa batendo palmas longe pra nao ter que se entender com o bicho diretamente que latia metendo medo. Na acolhida desconfiada, apenas uma encardida cortina era levantada e a cubada pela janela de madeira era a de quem não gostou do incômodo mas que em todo caso ia ver como atender na certeza que o visitante resolvesse o assunto e caisse fora sem demora.

E muito preâmbulo mas toda essa descrição acima é só para mostrar um tipo de gente que não existe mais e que o tempo se encarregou de levar na distância. Mas um descendente desse tipo de morador rural que hoje mora em lugar mais perto do povo e que era conhecido meu, me deu a impressão de como ainda se impregna do modo de vida roceiro e achei impressionante e diferente apesar de já ter uma noção da maneira do jeito desse pessoal.

Era o Betão um sujeito acostumado a romper com os outros se sua vontade não fosse atendida mas não que brigasse mas o papo encerrava e a partir dali tudo ia na base do "vou pro outro lado da rua" , "não vou na sua casa", "tem um sujeito ali que não me dou com o santo dele" Essas coisas.

Perto dos cinquenta foi parar no médico atrás de explicação de uma dor do lado direto perto da costela. Saiu de lá pouco á vontade; proibições de todo lado e a primeira delas a dose de pinga diária, com tiragosto de salame, esse último o médico disse que era o campeão de mandar pro cemitério mais cedo, inimigo dele que queri ir o mais tarde que fosse.

Foi avisado que deveria emagrecer e voltar aos antigos 78 quilos de anos atrás contra os quase 100 de agora, e nisso a coisa ficou pra deixar o caboclo de orelha em pé.

- Tu tá acreditando que eu vou agora ficar magrinho para acabar apanhando dos outros doutor?

- É isso Betão. Seu peso está perigoso de umas doenças e o regime é o jeito - Falava o médico tentando igualar o linguajar.

- Se eu afinar na carcaça viro um doente na boca do povo isso não vai dar certo.

- E seu destino para melhorar até essa dor que você tem ai, porque pode ser que no peso as coisas acabe para esse mal que tá ai na sua virilha.

A idéia não foi bem aceita porque mesmo na beira de fazer cinquenta anos o Betão não gostava de ver os outros olhando atravessado para ele e até pouco tempo usava uma arma debaixo da camisa igual todo mundo que anda pelos matos.

Teve uma vez que sua irmã brigou com o marido dela que ele não tinha muita simpatia e o negócio virou para um ensaio de sopapo e foi a arma que mostrou a educação da discussão. Mesmo assim com um tiro pertinho do moço que já tinha botado na cabeça que o Betão deveria levar uma surra para nã enfiar em briga de marido e mulher. Como acabou? com o marido mansinho o Betão levou a irmã para casa por uns dias até a poeira abaixar e mandar ela de volta com a promessa que não ia bater nela. Noutra feita, foi dançar um forró bem longe de casa e um sujeito acompanhado de uns três achou que ele não teve a gentileza de pagar uma bebida ou mesmo oferecer por costume, o que o Betão fez? Disse sem pestanejar que quem não tem dinheiro para pagar a própria bebida deveria ficar em casa rabeando a mulher na beira do rádio ouvindo programa caipira. A conversa deixou com raiva o valentao que já contando com os outros entendeu de ver o Betão cheirar a poeira da rua feito avião aterrizando. mas arisco ele beirou o balcão e encostou em um amigo que estava por perto, mas a ousadia dos outros que embora analfabetos fizeram a conta agressiva mostrando que a matemática somava quatro contra dois, e o Betão aumentou a numeração com sua arma e seis balas e convencidos que não compensava a coisa não foi pra frente.

E é isso. Essa gente está por ai e se ele reduzir a estatura por causa de um médico, ainda mais agora que tem uma lei ai que não deixa usar o pau de fogo não vai dar nada certo andar cismado a toda hora e então ele bateu na banca e disse:

- Doutor, vamos esquecer que te fiz essa consulta, recebe ai e deixa essa dor pra frente que eu resolvo.

Pagou e saiu fora, certo que nada mudava na sua vidinha de roceiro.

Pacomolina
Enviado por Pacomolina em 12/08/2011
Reeditado em 12/08/2011
Código do texto: T3155090
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