PERALTICE DE CRIANÇA.

Chagaspires.

Eu era o irmão mais velho dos três filhos de Dona Nina professora. Quem era filho de professora perdia a individualidade e passava a se chamar “ o filho da professora”.

Bastante conhecida em Camaragibe minha cidade natal, Dona Nina foi educadora de muita gente e fazedora de várias gerações de profissionais que estudaram na Vila da Fábrica, pois lecionava na Escola Primária da Corporação Operaria, da Fábrica de Tecidos, Companhia Industrial Pernambucana.

Abandonada pelo marido, Dona Nina tinha uma vida difícil, pois teve que sustentar a prole e trabalhava para sobreviver.

Enquanto nossa avó Maria estava viva as coisas fluíam mais a contento, pois ela ganhava um boa pensão deixada pelo meu avô José Pires do qual eu herdei parte do nome.

A casa onde morávamos na Vila estava situada na Rua Pierre Collier nº 445, próximo a então sede da Banda de Música, hoje Igreja Católica da Vila.

A casa era enorme; tinha três grandes quartos , três salas, a cozinha e uma escada que dava para um terraço mais a baixo, e um banheiro.

O quintal era enorme e cheio de fruteiras, um verdadeiro pomar, onde minha saudosa avó tinha um galinheiro e pequena plantação de verduras para o consumo diário.

Na cozinha havia um enorme fogão de alvenaria, com três bocas para carvão, mais duas bocas em chapa de ferro onde se cozinhava com lenha, e uma carvoeira onde era colocado o carvão vendido pelas carvoarias da época. Contava também com duas prateleiras de tábuas bastante fortes, sustentadas na parede por ganchos de ferro e era lá na parte de cima que minha avó colocava as panelas com carne guisada já prontinha, e preparadas em certa quantidade para poder serem usadas por dois ou três dias. Ai era onde morava o perigo.

Naquela época eu devia estar com nove ou dez anos de idade, os meus outros irmão: Lula e Carlinhos eram um ano mais novo de um para outro.

Quando minha mãe estava na escola ensinando e minha avó Maria ia até a casa de sua irmã Neném nossa tia avó, na Rua Muniz Machado, aproveitávamos para furtar a tão almejada carne guisada da panela lá na prateleira da cozinha. Algumas pessoas mais abastadas possuíam geladeira, porém a maioria dos empregados da Fábrica não podiam comprar o eletrodoméstico.

Eu subia na carvoeira que era coligada com o fogão, e passava para a parte das bocas com todo cuidado, pois ainda estavam quentes, e por ser maior que os outros meninos e ter os braços mais compridos, me jogava do fogão para a parede onde tinha as prateleiras; onde meus pés estavam na borda do fogão e as mãos na prateleira de cima da parede que ficava logo em frente. A cozinha era pequena e estreita, de maneira que do fogão na posição íngreme que me encontrava podia chegar até o fruto da nossa cobiça. Um dos meus irmãos ficava vigiando a porta da rua enquanto o outro me auxiliava passando o garfo e aguardando já com uma caneca para colocar o furto. Então eu tirava uns três ou quatro pedaços maciços de maneira a não deixar parecer o crime perpetrado, e logo pulava para o chão e de posse do furto colocávamos farinha e íamos comer lá para baixo do quintal que tinha uma extensão bastante considerável e nos servia de esconderismo.

Nossa avó nunca descobriu a artimanha, e nós por muito tempo conseguimos o nosso intento.

Hoje depois do tempo passado ainda me pego a dar gostosas gargalhadas, quando conto a façanha a minha atual esposa Anália enquanto tomamos o café da manhã.