O QUE É ISSO?

Eta! Rapaz olha você que outro dia, lá pelas bandas das terras de Nhô Dráuzio, estava eu e outro caboclo. Chico Pé Grande, não sei seu nome, só sei que era chamado de Chico Pé Grande, e olha que nem tinha pé grande assim, mas diziam que o apelido era por causa da força que tinha nos pés. Você não andava nem uma légua que vinha logo alguém falar do Chico Pé Grande; contavam que o apelido era por causa que ele tinha tanta força nos pés que era capaz de derrubar uma árvore só com os pés, outros diziam que não, era por causa que, há muito tempo, nas redondezas das terras dos Morais, começaram a sumir algumas ovelhas e no local sempre tinha as marcas de um pé grande. Imagina você que um dia o Chico, por brincadeira, disse que era seu pé. Não teve jeito, mesmo depois de verem que as marcas dos pés eram bem maiores que as do Chico, desde aquele dia ele ficou com esse apelido. Escurpa, eta que tô falando igualzinho eles, que já desatei por outro caminho, mas retomamos o que quero narrar.

Então é assim, nas pelas terras de Nhô Dráuzio, eu e Chico Pé Grande, ressorve arrebantá na roda de uma turma. Eles estavam em volta de uma fogueira e também tinha um caboclo tocando sua viola. Sabe, ali fiquemo. Não eram nossos conhecidos não, mas, você sabe, no sertão não precisa ser conhecido, é só chega na roda e senta que você é bem recebido, não é igual na cidade que você precisa conhecer alguém, lá não, se tem uma roda e uma viola, rapaz..., é só chega.

E foi nessa roda que outro caboclo, muito distraído que só, aliás, fiquei sabendo que era conhecido como o Distraído. Falavam que era tão avoado que um dia ele fechou a portera da casa e jogou a chave pra dentro e foi, mais a munhé e as criança pro arrabalde, quer dizer, pra festa no coreto. E olha que lá pelas tantas, já bem tarde, não conseguiram entrá em casa e dormiram no meio das paias, no celeiro com os cavalos. Então, de lá prá cá, de Nhô Asdrúbal, passou para o Distraído.

Distraído, era tão distraído, que nem reparou que uma das tábuas que servia de banco, estava com um prego prá cima. E olha que ele sentou bem em cima, e sabe o aconteceu...? Isso, fez um bitelo de um rasgo ali. Rapaz foi sangue prá tudo que é lugar. Pensaram chamar o doutor, mas era muito longe e o sangue voava que nem folha com ventania. Seu Jorge, um velho conhecido pelo seu conhecimento de benzedura e das plantas, falou que não muito grave não. Que não precisava de chamar o doutor, nem fazer uma fervedura de plantas, Era só passá podetapataio.

Rapaz imagina você, eu que não era da região, e já há muitos anos na cidade grande, nunca tinha ouvido falar de podetapataio. Pensei que era alguma erva, mas seu Jorge disse que não precisava de plantas, então erva não era. Perguntei pra todo mundo o que era podetapataio, e todos falavam que podetapataio era podetapataio. Resolvi esperar pra vê o que era. E não é que quando trouxeram o tal podetapataio, foi ai que soube que era só sulfa e ai falei, quase demonstrando certa indignação, isso é sulfa e não esse podetapataio. Foi uma tremenda gargalhada que ouvi e um deles, bem baixinho, falou para o outro do seu lado que “esse pessoal da cidade vem com essas de sulfa e nem sabe o que é podetapataio, são uns metido a besta mesmo”, e riu ainda mais esbaforido que os outros.

Depois de aparar o sangue do Distraído, e já mais calmo, sim porque minha vontade foi de pular no pescoço daquele sujeito e mostrar pra ele que sulfa e não podetapataio era o nome certo para fazer parar de sangrar. Bem, como disse, já mais calmo fui perguntar por que tinha aquele nome tão estranho. O sujeito que rira mais alto que todos, bem calmo e com seu cigarrinho de palha no canto da boca, disse “tá bom o cidadino, eu te exprico o porquê desse nome, mas antes me diga porque sulfa, o que tem a ver sulfa com fazer parar de sangrar”. Confesso que não tive explicação convincente, só me limitando a dizer que esse era nome que eu aprendera. Ele, sem pestanejar me disse que as coisas têm que ter alguma lógica, elas tem que dizer pra que servem. Não esperei, saquei logo “então por que podetapataio, então”. Ele deu uma risadinha, olhou pros lados... ”olha, quando você faz um corte nos pés, na barriga, na..., você não faz um taio?” Sim, eu disse. Então, pó de tapa taio...pó que tapa um taio...entendeu?

Depois daquele dia só lembro que rimos muito, e também aprendi que cada região tem sua maneira peculiar de tratar as coisas, há uma, como disse aquele caboclo, lógica própria, e que não existe certo ou errado, existem modos diferentes de falar a mesma coisa.