CACIMBA SECA - 51

Quatro vaqueiros, todos encourados e bem montados. As mulheres e crianças presentes, para olhar a vaquejada.

Janjão abriu a porteira e deixou sair o primeiro novilhote.

— Aí Rafaelito, gritou. Rafael para o filho, — é a sua vez! Vamos ver essa estréia.

O garrote saiu espantado, olhando para os lados e o rapazinho botou-lhe o cavalo. O pátio era amplo. O cavalo em cima do novilhote e o vaqueiro sem alcançar-lhe a cauda. Antes que este ganhasse o mato, Janjão pôs-se na frente e fê-lo voltar atrás, gritando:

— De novo, cabra, vamos ver!

Rafaelito não pôde ainda dessa vez pôr a mão no sedém do novilhote. Terceira volta, pegou-lhe pela cauda e enrolou na mão, inclinando-se sobre a sela. O cavalo fez o resto. Passou rente ao garrote, tomando-lhe a dianteira, este foi ao chão.

Uma festa. A satisfação íntima do rapaz, vendo o garrote no chão, e a alegria, gritos e palmas das mulheres e crianças. Dos homens também, satisfeitos da façanha. A um tempo, gritaram estes:

— O menino promete.

Segundo novilho, e muito mais bravio que o primeiro. Rafael disse baixo, duvidoso do hóspede:

— Esse é o seu, doutor.

Artur sorriu e deixou o novilho afastar-se. Pôs-lhe o cavalo em cima. Antes de entrar no mato, o garrote foi ao chão. Levantando-se, o vaqueiro bateu com o chicote nos couros para espantá-lo. O bicho correu e ele em cima outra vez. De novo levou-o ao chão.

As mulheres e crianças gritando e batendo palmas, os homens sorrindo admirados da destreza. Mas, ao levantar-se da segunda vez, o novilho quis avançar contra o vaqueiro, cavou o chão, cavou, ensaiou e não arremeteu. Artur aproximou-se de lado, com jeito e mandou-lhe o chicote no lombo, uma, duas, três vezes, enquanto o garrote corria em busca do campo, quebrado da surra.

Mais palmas e gritos, maior alegria.

E Janjão abriu a porteira dizendo:

— Agora eu quero ver. Esse nego vai buscar, mas é no mato.

O touro, mestiço e encorpado, peso de 10 arrobas, não tivera moirão em bezerro porque nasceu em ano de seca. Por descuido, sendo arredio do outro gado, não foi pego em garrote para a ferra.

Tinha sangue de gado remetedor. Estava boi de ano, que no Nordeste corresponde a animal no quarto ano de vida. — Primeiro ano bezerro, segundo garrote, terceiro novilho, quarto, boi de ano, é assim que se diz. Estava touro de ano. Sem moirão em bezerro, sem ferra em garrote, quase bravio. Raça de gado valente.

Saiu do curral, trotou um pouco no sentido do campo, e aos gritos dos vaqueiros e das mulheres, estas de longe, na porta da casa, virou.

Sacudiu a cabeça para os dois lados, fungando, olhou para os vaqueiros enfezado, encurvou o pescoço para o chão, levantou a cabeça, baixou-a e começou a cavar olhando de um lado para outro. Cavava e se afastava de costas. Recuando e cavando, cavando e recuando.

Rafaelito de um lado, do outro o pai, na frente Janjão e Artur. Rafael gritou:

- Cuidado, pessoal, que o touro remete. Rafaelito - gritou alto, lembrando do menino, preocupado — afaste mais o cavalo; ligeiro; para longe; ligeiro.

Dizendo isto, Rafael bateu com o chicote nos couros, tangendo o boi, na esperança de que este recuasse e corresse. Ao invés de recuar, o touro olhou para o lado de Rafaelito e investiu antes que ele tivesse tempo de afastar-se.

Houve um instante de arrepio de nervos em todos. Um grito desesperado das mulheres, pasmo das crianças, olhos espantados dos vaqueiros, cada qual destes querendo tomar a posição para salvar o moço inexperiente, capaz de cair do cavalo.

O pai, sem demora, volteou o cavalo e gritou:

— Cuidado, meu filho! — enquanto se precipitava entre este e o touro.

Com esse movimento, Rafael fez que o touro avançasse contra si, deixando o menino. Ele tirou o cavalo e o touro perdeu a marrada. O touro cavou rapidamente, preparando nova investida e Rafael, olho duro em cima dele, preparando-se, desamarrando a corda da sela. O touro avançou e Rafael volteou o cavalo de um lado para o outro, sempre gritando para o filho que se afastasse, mais, mais, mais.

Todos em suspense, as mulheres e crianças tremendo e chorando de medo, Janjão e Artur atentos, procurando posição para entrar.

O touro parou para cavar novamente e Rafael aproveitando o instante preparou o laço. Antes de lançar a corda, o bicho investiu de novo e ele rodou para um lado, até conseguir posição de jogar a corda. Rodou a corda no ar, segura pela mão em anel e lançou.

Enquanto isto, as mulheres e crianças gritavam assombrados, pedindo “misericórdia, meu deus, misericórdia”. Ao receber o laço no pescoço, o animal avançou embicado contra Rafael, que, segurando a corda, corria e gritava:

— Vamos ver, Janjão!

Janjão procurava posição de lançar a corda, sem encontrar. Correndo atrás do touro e este atrás de Rafael. Artur, do lado, igualmente procurando posição. As mulheres gritando.

Enfim, Janjão jogou o laço certeiro nos chifres do boi. E esticou a corda. Agora, o touro lançou-se contra Janjão e foi contido por Rafael.

A partir desse momento, já não havia perigo, O touro estava preso pelos dois laços, e quando investia contra um, o outro segurava. Na luta, Rafael sem ao menos ter tempo de olhar para Artur, comentou:

— Está faltando o terceiro laço, Janjão.

Exatamente aí, rodava no ar a corda lançada pelo médico, que alcançou o animal pelas pontas, nem bem Rafael acabara de falar. Estava o touro em condições de ser dominado. Vendo a destreza de Artur, Rafael gritou animado:

— O doutor é mestre, Janjão!

O silêncio só era cortado de longe em longe, por alguns gritos de Rafael, comandando a ação. As mulheres continuavam benzendo-se e rezando baixinho, com as crianças à frente da casa, em posição de entrarem e cerrarem a porta.

Os três laços prendendo o touro e este, ora cavando, ora tentando investir contra algum dos vaqueiros. Quando ia contra este, aquele esticava a corda. Avançava contra o segundo e o terceiro, tinha dos dois lados as cordas a sustentá-lo. Cansava-se no vai e vem. Os vaqueiros forcejavam para cansá-lo mais. E o touro espumava, enfezado, ora cavando o chão, ora querendo avançar sem poder.

Em dado momento, Rafael gritou para os companheiros:

— Segura as cordas, pessoal, que vou pular.

Rápido lançou-se do cavalo ao chão, olhar duro em cima do boi. As mulheres gritaram que “não fosse pelo amor de deus”. E ele indo.

Aproximando-se do touro pelo lado direito, Rafael pegou-o bruscamente com os dois braços envolvendo os chifres e torceu-lhe a cabeça. O boi rodando para a esquerda e Rafael acompanhando-o no rodar, firmemente seguro nas pontas, pescoço do animal encurvado para a direita.

Rodando, rodando... E as mulheres gritando “valha-me Deus, valha-me Deus”. Rodando, até que o touro cedeu e tombou. Rafael montou-lhe no pescoço, meteu os dedos nas ventas com todas as forças, e gritou:

— Vamos ver, Janjão!

A essa altura, os dois outros vaqueiros estavam desmontados, ambos sustentando as cordas, Rafaelito ao seu lado, também a pé, tendo nas mãos a corda que o pai largara ao saltar no boi.

Janjão largou a corda, pegou no sedém do touro e passou-o entre as pernas esticando-o fortemente e quebrando a ponta, o que provocou um berreiro doloroso. Os dois montados no animal.

Agora doutor! É a sua vez. Amarra o bicho, gritou mais uma vez Rafael, suando em bica, mas sorrindo.

Já Artur estava em cima, procurando a melhor posição de entrar pela frente evitando os coices. Esticou bem a corda da frente para trás, vergando a cabeça do boi. Passou a corda nas patas dianteiras, amarrando com firmeza. Esticou-a ainda uma vez, forçando para unir as pernas traseiras com as dianteiras, e deu o nó de porco, seguro, bem dado e experimentado. Reexperimentou e gritou:

— Podem largar, que a tarefa está feita. Era uma vez um boiote metido a valente e três homens vaqueiros. Três não, quatro! O Rafaelito também, que o menino é machinho!

As mulheres respiraram aliviadas. Mas não batiam palmas como nos primeiros sucessos. A emoção era forte demais para lembrarem-se disso.

Levantando-se, Rafael disse devagar, enquanto respirava:

— Agora Janjão, aproveite para ferrar e capar o bicho. Ponha o carimbo n°4. É para o Rafaelito. Depois, bote no moirão uns dias, para tirar a reima.

— Se é meu, não castra, pai; quero-o reprodutor para tirar bezerros valentes.

— Tá bom; então, não capa Janjão. Vamos ver se o dono amansa-o.