O CASAMENTO DO DOLI

* Ao Compadre e Amigo, Oli Ribeiro.

Esta história se passou lá no terceiro distrito de Canguçu, na localidade compreendida entre o Arroio Santo Antônio e o Rio Camaquã.

Era uma festa de casamento. Os noivos eram Doli e Marina. Negros sérios e trabalhadores.

No jeito de pobre tudo foi muito bem arrumado. Havia fartura. Carne e vinho à vontade.

De quebra, para a bailanta foi construída uma ramada, edificação já definida em outro causo, de maneira que os convidados pudessem dançar sem atropelos.

Na festa, de carancho, se encontrava o negro Dauro, mulato mal acostumado que gostava de apear o laço em alguns menos avisados.

Ocorre que Dauro havia sido namorado de Marina, a noiva, e estava caborteiro umas quantas de lua pelo matrimônio que estava sendo comemorado. Foi na festa para comprar uma encrenca!

De tardezinha, o baile estava embalado, quando Dauro começou a dar visíveis sinais de seu intento. Já embriagado, mas bastante lúcido para representar um perigo, passou a achincalhar os convidados, com a finalidade de começar uma briga. Na cintura trazia à vista uma adaga santa-cruz e um 38, cano de seis polegadas, alumiando.

Logo em seguida teve início a primeira peleia e Dauro conseguiu dar uns pranchaços de adaga no seu eleito contendor. Era um dos convidados. O sangue já apareceu no recinto.

Chegaram os deixa disso e acabaram com a briga.

Entretanto, Dauro se mantinha como colhudo à soga, e manteve seu intuito de seguir comprando brigas. Sua determinação era a de terminar com o baile, deslustrando a festa de casamento de sua outrora amada.

Depois de ter dado início a uma meia dúzia de brigas, com alguns cortes provocados em seus contendores, usando somente a adaga, Dauro permanecia disposto a causar uma vítima fatal tamanha era a sua violência e raiva, além da borracheira que já tinha.

Foi então que Doli, um negro de pequena estatura, não dado a encrencas, principalmente porque o casamento era dele, entendeu que aquele banzé tinha de ter um final honroso. Entendeu que Dauro não poderia sair dali ileso depois de provocar tantos aborrecimentos aos convidados e às famílias dos nubentes.

A despacito, como quem não quer nada, Doli se dirigiu aos fundos da casa. Pegou um facão caroneiro – desses que se carrega nas encilhas do cavalo – e cuidadosamente passou um fio numa pedra de amolar de campanha, da ponta até o meio. Sentiu o facão na mão, a firmeza do cabo e se benzeu em nome da Santíssima Trindade e disse para si mesmo: - Seja o que Deus quiser!

Chegando na ramada viu Dauro arrinconado num canto da copa, numa estampa de monarca, ou seja, de dono da festa, consciência que adquiriu por ter dado laço em meia dúzia ou mais de convidados.

Por sua vez Doli entendeu que aquele era o momento de reagir. Chegou mais próximo da copa e mandou um olhar de intimação a Dauro que em seguida respondeu perguntando:

- O que tu tá me olhando, Doli?

Ao que Doli respondeu:

- Estou te convidando pra uma conversa na rua!

Dizendo isso Doli saiu para fora da ramada e, logo em seguida, bufando e abrindo cancha, veio Dauro já com o 38 na mão procurando encontrar Doli na mira para acabar com a fatura de imediato, na esperança de que pudesse voltar a ter os anhelos de Marina.

Entretanto, a visão de Dauro já não se encontrava das melhores, seja pela borracheira, seja pelo lusque fusque da noitinha.

Doli estava esperando o brigão e assim que pode deu um talonaço de facão no braço de Dauro, fazendo com que o revólver caísse a metros de distância.

Tendo presente a vantagem obtida, Doli arrumou a cinta, compôs o chapéu e disse de maneira muito calma a Dauro:

- Pois olha negro bagunceiro, agora vou te dá uma tunda pra exemplo, tu nunca mais vai desrespeitá festa de famia!

Dito isso o facão de Doli passou a trabalhar de maneira muito ágil. Um pouco no lombo, outro na cabeça do mulitão que agora se encontrava levando uma sumanta de laço nunca vista naquela região.

Terminado o corretivo, Dauro, com as roupas rasgadas e respingando sangue, se foi noite adentro, não vindo mais a arrumar encrencas com tanta facilidade.

Doli e Marina são marido e mulher até hoje e vivem bem, como pobres, ambos aposentados como agricultor.

Depois eu lhes conto a vinda de Doli à cidade para responder ao Inquérito Policial decorrente da tunda que deu em Dauro.