Nevinha em: A Morte do Dr. PhD.
Encontrado morto o premiadíssimo professor, doutorado e renomado mestre da UFOP. Esta era a notícia que estampava a primeira página do Estado de Minas, as linhas que se seguiam, não me recordo bem, eram mais ou menos assim: Na antiga Vila Rica, hoje Ouro Preto, conhecida no cenário mundial como patrimônio histórico e cultural da UNESCO, foi encontrado em seu santuário o corpo do professor Dr. PhD, redundância carinhosa a qual seus alunos o atribuíram em reverência. Aos oitenta e oito anos e uma vida de grandes feitos e dedicação total a cultura e ao magistério, deixa-nos um legado.
Como começou esta história eu me lembro bem. Ou melhor, como ela acabou.
— Mi impresta esse livo aqui Cida, que é pra mim lê, qui tem uma capa bunita.
— Para eu ler, Nevinha.
— Pra mim não? cê tá danada di ingoista Cida, bem qui as minina dissi, que cê ingora sabi lê e tá é mitida.
— Para que cê quer o livro Nevinha, se não sabe ler?
— Pra isso qui veio te percurá, tô quereno sabê umas coisinha, pra rumá um guingo, lá no bá du Sô Juaquim.
— Para te provar que ainda sou a mesma Cida de sempre, que não tô metida, vou te ajudar, vou te levar para conhecer meu patrão, foi ele quem me alfabetizou.
— Aqueli tar de Dotô Peagadô?
— Doutor PhD, Nevinha.
— Ele é um homem muito bom. Tô pensando em fazer faculdade, para progredir na vida e deixar de ser doméstica.
— Tô pensano di pogredi tombém, e mim dá bem com um guingo.
— É gringo, Nevinha. Você parece caso perdido, mas acho que o Doutor dá jeito.
— Vamo ingora mes, cê acha que tô bem, o Margô mim dissi pra usá menas chapa no cabelo.
— Menos chapa, Nevinha.
— Cê tombém acha né?
E lá se foram as duas subindo a ladeira até cruzarem a Praça Tiradentes. O tilintar dos tamancos de Nevinha batendo nas pedras ecoava entre as contruções de estilo barroco, contrastando ao som dos históricos gritos de “Liberdade ainda que tardia”. Mulata jovem, de ancas largas, seios fartos, coxas grossas que estavam literalmente a mostra, só ornamentadas por uma minissaia rosa choque, que mal lhe cobria o necessário. Aliás, tudo nela era coberto na medida do necessário. Tinha um sorriso escancarado, mostrava seus trinta e dois dentes, por obra do divino, todos branquinhos e reluzentes.
— Qui casarão bunito Cida.
— O Doutor se orgulha muito de tudo aqui, mantém tudo original, diz que é arquitetura colonial, que assim se sente em Vila Rica.
— Rica mes essa vila, oia quantu brio.
— Nevinha, tire a mão da prataria!
— Nun isquici di tudo qui mim insinô no camim não, vô fazê bunito, si eli mim pirgunta qual minha graça, rispondo mô nomi, já intidi.
— Melhor eu ir junto, fico espanando os livros e de olho em você, para não aprontar nenhuma asneira.
— nun percupa, sei comportá cum genti instuída.
— Vamos entrar no santuário, ele está nos esperando... Nevinha levanta... O que tá fazendo aí de joelhos?
— Uai. Né pra rezá não, num é lugar di santu?
— É uma biblioteca, é um local sagrado para o Doutor.
— Oia eli ali, pelejadim, mar bunitim.
— Obrigada por nos receber Doutor, esta é a amiga que lhe falei.
— Obrigadu pru recebê nóis, Dotô Peagadô.
— Doutor PhD, Nevinha.
— Vai, vai ispaná os livo, dexa qui mim intendo cum Dotô.
— Tô de olho, Nevinha.
— Minha graça é Geneva, pruquê meu pai é Genivaldo e minha mãe Eva, mas podi mim chamá de Nevinha mes.
— Encantado em conhecê-la senhorita Geneva.
— Tô percebeno.
— Então a senhorita quer alçar graus do conhecimento com qual intuito?
— Qué nadim disso não Dotô Peagá... Dotô. Qué só cunquistá um guingo, é qui trabaio lá no bá du Sô Juaquim, e vô ti contá pro sinhô, lá é cheim di guingo, mas nun intendo nadim queles fala. Tem um intaliano qui quandu chegu pertim, mim dá tiao, isnobi eli né? Tem um Flancê qui mi dissi: merci bocu, mar num apreceio palavão não. Quiria mes é sabê ingrês.
— Acho que seu intuito é nobre demais senhorita Geneva: conquistar o amor de uma pessoa. Para tal intento não é necessário instrução, aliás, os iletrados são os que mais se entregam sem reservas ao amor. Ainda lhe conheço pouco, a despeito, aprendi a discernir um bom caráter, ao decorrer da vida. A sede da afetividade precisa ser maior que a sede do conhecimento, e desde que adentrou percebi que o seu tem tamanho generoso, que lhe proporcionará um belo e desinteressado encontro...
— Tem celteza qui essi tamanhu selvi, Dotô?
Seguiram se alguns segundos de silêncio... enquanto Cida saía ligeira de trás das prateleiras.
— Veste logo esta blusa Nevinha... que ele tava falando era do seu coração!
— Uai... era?
As duas ficaram abanando o Dr. PhD, Cida com o livro de Camões e Nevinha com um exemplar de Nelson Rodrigues.
— Ai...Mô Deuso... Rispira Dotô Peagadô!
— Doutor PhD, Nevinha.