Ora que melhora !
 

No Tataúba, bairro rural de Caçapava, ocorreu um fato interessante e ao mesmo tempo curioso e que mexeu com a crendice das pessoas deste lugarejo.

Comenta-se que ali vivia o pequeno sitiante José Vicente na companhia de sua mulher Ana Maria e de três filhos João Paulo, de 12 anos, Leandro de 6 e Maria Clara, de 2.

Da pequena propriedade tirava, com dificuldades, o sustento pessoal e de sua família, sendo que os filhos menores freqüentavam escolinha no próprio local. João Paulo, dada sua esperteza, vivacidade e inteligência observadas pela professora da escola rural, conseguiu uma bolsa de estudos em um bom colégio da cidade.

 
Um fato gerou séria dificuldade a José Vicente, pois havia dado uma fiança ao irmão Luiz Mário e este não cumpriu com sua obrigação. Numa tarde de sexta feira um oficial de justiça bate à porta de José Vicente dando-lhe uma intimação para pagar a importância que o irmão ficara devendo de R$ 16.000,00, com a informação de que se não pagasse seu sitio poderia ser penhorado e vendido.

José Vicente ficou o final de semana angustiado e na segunda feira consultou um advogado e este reafirmou a informação que o oficial lhe dera.

Foi um desacerto na vida de José Vicente, acabou o sossego, e não via nenhuma saída, pois se vendesse o sítio mal daria para pagar a divida e, o que é pior, não teria de onde tirar seu sustento e acomodar sua família.

Passaram a segunda, terça, quarta e chegara a quinta feira e nenhuma situação vislumbrava para o caso. José Vicente, acabrunhado e inconsolado com a situação, começou a entrar em desespero, pois o prazo de quinze dias estava se esgotando, o que passou a incomodar também Ana Maria, tanto pela situação como pela preocupação com o marido.

João Paulo, embora criança estava percebendo e vivendo o mesmo drama dos pais.

Na quinta à tarde, ao voltar da escola, trazido pelo ônibus da Prefeitura, João Paulo encontra o pai sentado num banquinho na entrada da casa, o que é anormal, pois o pai trabalha de sol a sol para bem manter a família.

João Paulo senta-se ao seu lado e passa a mão em seus cabelos, num gesto de muito carinho, e conta lhe que tivera um sonho em que um homem com um jeito muito legal havia lhe mostrado um papel onde estava escrito uma frase que ele não tinha entendido: ‘Ora que melhora’.

E João Paulo, com sua esperteza, disse que não havia entendido a frase, principalmente por ver que ‘ora’ estava escrito sem a letra ‘h’.

Seu pai então, mesmo com poucos estudos, pois as dificuldades da vida não lhe tinham possibilitado segui-los, por já ter visto a frase nos para-brisas de muitos carros, disse ao filho que o ‘ora’ era no sentido de orar, de rezar.

João Paulo compreendeu a explicação, deixou seu pai ali naquele banquinho com sua preocupação e ficou pensando no resto da frase que estava escrita no papel que aquele homem no sonho lhe mostrara, que dizia: ‘Ora que melhora, e faça isto com toda sua família, de mãos dadas, por três dias seguidos, sempre às 18 horas, que é a ‘hora do Anjo’. Rezem três Ave-Marias, pois assim a situação irá melhorar.’

João Paulo voltou para próximo de seu pai e contou o resto do sonho que teve, o que chamou a atenção de seu pai, pois embora João Paulo fosse religioso, e participasse de todas as atividades da Capela do Bairro, cujo patrono é São Benedito, ele não acreditava muito que pudesse melhorar, mas também tinha razões para não duvidar do que o filho sonhara e resolveu então fazer a oração com a família na ‘hora do Anjo’.

Faltavam vinte minutos para as 18 horas e o pai conta à mulher a conversa que tivera com João Paulo e ela, que era um pouco mais temente, incentiva o marido a atender ao sonho do filho.

José Vicente ficou observando o relógio e quando faltavam cinco minutos para as 18 horas chamou Ana Maria, João Paulo, Leandro, pegou Maria Clara no colo e, de mãos dadas rezaram as três Ave-Marias.

Isto se deu na quinta, na sexta e sábado.

Transcorreu o sábado e José Vicente, embora acreditando nas orações em família, estava muito angustiado, pois o prazo para o pagamento estava se esgotando e não surgira nenhuma solução, embora esperançoso de que isto pudesse acontecer.

No final da noite de sábado, sentado no banquinho à porta, estava uma noite muito gostosa, com a Lua Cheia iluminando todo o terreiro da humilde casa, chamou João Paulo dizendo que estava acreditando que seu sonho iria se tornar uma realidade, pois rezara com muita fé e São Benedito sabia que ele dera a fiança ao irmão Luiz Mário somente para ajudar, pois sabia da impossibilidade que teria para pagar caso ele não cumprisse com sua obrigação.

Feito isto, acariciou os cabelos do filho, dando lhe um beijo na testa e pediu para que ele fosse dormir, mas que antes pedisse mais uma vez ao Santo da Capela do Tataúba que ajudasse seu pai no difícil momento.

João Paulo retribui o beijo no rosto, foi deitar, e atendendo ao pedido do pai, renovou sua oração.

No dia seguinte, domingo, José Vicente, que mal dormira, se levanta às 5 horas da manhã para a lida com as duas vaquinhas, tira o leite, colhe alguns pés de alface e couve que têm na propriedade e às 8 horas já está de volta a casa, onde toma um café com Ana Maria e, ainda sem saída para o problema que vivia, senta-se novamente no tosco banquinho e ali permanece por horas.

Às 11 horas João Paulo se levanta, encontra o pai pensativo e fala de outro sonho que tivera naquela noite, onde o mesmo homem da noite anterior volta e diz que é para ele ficar sossegado, pois suas orações foram ouvidas e a solução da fiança dada estava a caminho.

Neste instante Ana Maria chama José Vicente e João Paulo para o almoço, pois Leandro e Maria Clara já estavam à mesa.

O pai, de mãos dadas com o filho, se levanta e senta ao lado dos outros filhos, porém, só belisca um pouco da comida carinhosamente preparada pela mulher, que acompanhava também desolada o drama que o marido vivia.

Seus nervos não permitiam que nem mesmo tivesse fome, pois só pensava no problema e em suas graves consequências.

Quando João Paulo se levanta da mesa vê o pai novamente desolado no banquinho, nada fala, pois percebe que ele agora precisava mesmo é de silêncio.

Passadas mais de três horas, João Paulo novamente se aproxima do pai, lhe faz um carinho e lhe diz que está vendo que uma solução irá chegar.

O que o pai houve atentamente, possuído, no entanto, de um misto de crença e desconfiança levanta-se e pede para o filho ficar sentado ali mais um pouco, que ele precisa ir até os fundos da casa. Quando o filho insiste em acompanhá-lo, ele discorda, pois estava com vontade de chorar pelo mal momento que vivia e que não queria que o filho visse esta situação.

Faltavam cerca de vinte minutos para as 18 horas, e o pai ainda estava lá pelos fundos, quando para um carro defronte a porteira do sítio, dá uma buzinadinha e desce do carro um homem fazendo um gesto para que João Paulo se aproxime, quando então percebe que o homem que ali estava era o mesmo que lhe apareceu nos sonhos.

João Paulo, assustado segue na direção dos fundos da casa e chama seu pai, que aparece com os olhos vermelhos pelo choro, mas o filho faz força para não chorar e fala que o homem que apareceu em seus sonhos era o mesmo que estava parado lá na porteira e o havia chamado.

O filho, de mãos dadas com o pai José Vicente, segue na direção da porteira. Ali chegando, o senhor estende a mão a José Vicente e faz o mesmo com o menino que, assustado, ao tocar na do homem sente um calor percorrer seu corpo, mas se mantém firme olhando atentamente para o homem com quem sonhou, aguardando o desenrolar dos fatos.

Neste instante o homem da porteira se apresenta dizendo chamar José Vicente e que estava ali para trazer uma encomenda que seu patrão, o rico fazendeiro Benedito que morava nas cercanias determinou. José Vicente, do João Paulo, disse que não conhecia nenhum fazendeiro rico de nome Benedito, e que não aguardava nenhuma encomenda e que a que portava devia ser do José Vicente da dona Dininha, que era o apelido de dona Diana, que recebera este nome em homenagem à mãe de São Benedito, que também se chamava Diana, indicando o caminho para onde visitante deveria seguir para encontrar este José Vicente da Dininha.

O ‘homem do sonho do filho’, no entanto insiste que a encomenda é para ele mesmo, pois tinha outra para entregar para o José Vicente da Dininha e que estava para lá seguindo para cumprir sua missão.

O José Vicente do Benedito neste instante tirou do carro uma sacola de lona e entregou ao José Vicente do João Paulo, dizendo que seu patrão Benedito havia ganhado um bom dinheiro na realização de negócios, e que havia feito a promessa que se conseguisse realizá-lo, daria R$ 16.000,00 para três pessoas que se chamassem José Vicente, e que ele, o José Vicente do patrão rico já havia recebido sua parte, estava trazendo a parte do José Vicente do João Paulo, e que iria entregar a outra ao José Vicente da dona Dininha, que cuidava com o maior zelo da Capela de São Benedito ali no bairro do Tataúba.

Feita esta explicação, João Paulo, que sentia um impulso muito forte quanto olhava para o José Vicente da porteira, olhou para o pai, apertou sua mão, pediu que ele se abaixasse um pouco e falou em seu ouvido: ‘Pai, pode pegar o dinheiro que o homem está dando, pois estou sentindo que ele foi enviado para ajudar o senhor a resolver o caso do tio Zé Mario, tudo conforme vi no sonho e nas orações que fizemos’.

O pai, emocionado, olha para o filho, pega a sacola com o valor, agradece ao José Vicente do patrão rico e pergunta o endereço dele para ir lá agradecer a ajuda que por certo veio dos céus, no que tem a resposta negativa do portador, que fala que o patrão proibiu de dizer quem era e qual o seu endereço.

José Vicente do patrão rico despediu-se de José Vicente e de João Paulo, entra no carro, vai até a casa do José Vicente da Dininha que cuida da Capela de São Benedito do Tataúba e ali lhe entrega mais uma sacola com R$ 16.000,00, depois de ouvir a estória do José Vicente do patrão.

Dias depois, o José Vicente do João Paulo encontra dona Dininha e pergunta se foi visitado por um senhor chamado José Vicente, um moço alto, claro, cabelos loiros e de olhos azuis, que estava num carro chique, ouvindo de Dininha que em sua casa havia ido uma pessoa que lhe contou a mesma estória e lhe entregou realmente uma sacola com dinheiro, mas que era negro, alto, de feições e modos agradáveis e que pediu simplesmente que continuasse a cuidar da Capela de São Benedito do Tataúba com o mesmo carinho e zelo que sempre cuidara.

José Vicente ficou assustado e impressionado com a informação, mas comentário algum fez.

Continuando, ela comenta que o José Vicente do patrão subiu no carro, deu uma buzinadinha se despedindo e seguiu seu caminho, tendo dona Dininha observado que, mesmo estando o tempo muito seco e a estrada ser de terra, o carro estava muito limpo e que não levantava qualquer poeira por onde passava.

Dona Dininha disse então que ficou olhando e sentiu uma sensação estranha, num misto de alegria e esperança, imaginando que aquilo tinha vindo dos céus, pois o valor também lhe ajudaria e muito na solução dos problemas pessoais.

José Vicente do João Paulo, na segunda feira cedinho foi honrar o compromisso da fiança.

Daquele dia em diante José Vicente, o do João Paulo, passou a acreditar na existência de forças superiores, orando com sua família todos os dias na ‘hora do Anjo’, e colocou uma placa na entrada de seu sítio com a inscrição: ‘Sítio São Benedito do Tataúba. Ora que melhora’.

As pessoas tomando conhecimento dos fatos passaram a se reunir todos os dias às 18 horas, ‘a hora do Anjo', na Capela de São Benedito do Tataúba e, de mãos dadas rezavam três Ave-Marias, tornando com isto um bairro de muita harmonia e amizade.
Brasilino Neto
Enviado por Brasilino Neto em 29/07/2011
Reeditado em 31/05/2014
Código do texto: T3125628
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