Amor Proibido
O fascínio dos olhos castanhos de Maria Rezende, sempre me outorgou uma sensação indescritível. Lembro-me com ternura dos dias de primavera que passamos juntos. Sua pele cor de ébano, negra como a noite misteriosa, seus cabelos longos, lisos e negros acentuavam sua beleza. Seus traços físicos eram suaves e bem desenhados, seu andar faceiro e elegante atraia muitos olhares de cobiça. No entanto Maria Rezende acabou escolhendo a mim como seu amado. E aí os problemas surgiram! Não que o amor dela viesse a me desagradar, afinal, ela preenchia os mais profundos recantos do meu coração, como se seu sorriso e seu olhar exercessem um encanto misterioso, deixando-me impassível diante de qualquer situação. O real problema do nosso relacionamento surgiu com a vinda de um primo dela extremamente obcecado em fazê-la eternamente sua. Este infeliz habitava os fúnebres cárceres de uma prisão estadual, no entanto, era o filho bastardo de um rico burocrata, que sabendo de sua existência o havia colocado numa cela imunda sob a acusação de estelionato. O rapaz ao saber que era filho de um homem muito rico e de grande influência decidiu ir até sua luxuosa casa reclamar o que era seu por direito, porém, foi recebido com quatro pedras na mão e ao se revoltar acabou sendo preso. Meses depois, o velho reconheceu o jovem negro como sendo o fruto de uma de suas aventuras amorosas com uma tia de Maria Resende e arrependeu-se de tê-lo metido atrás das grades. Foi mais ou menos isso o que a minha amada havia me dito numa tarde fresca sob a sombra esplendorosa de uma árvore de cedro. A princípio fiquei muito apreensivo quando soube do gênio de Nicolau, o tal primo, que ao sair da cadeia recebeu uma fortuna para nunca mais botar os pés na cidade de seu pai biológico, pois ao que tudo indicava o velho tinha medo de sua esposa descobrir a verdade e mandá-lo pros quintos dos infernos. Mas o fato que me deixou preocupado foi saber, através de Maria Rezende, que o desgraçado estava vindo atrás da minha amada com o intuito de levá-la para longe e conseqüentemente se casar com ela. Para piorar a situação, o infame tinha o apoio incondicional da família de minha querida Maria.
O revérbero do último raio de sol desapareceu na linha do horizonte, ao passo que Maria Resende me acompanhava num passeio vespertino. A terra solta da estrada ia manchando nossos pés de poeira, mas não nos importávamos com isso. Antes de chegarmos à casa da família dela, eu acabei dando um ardente beijo em seus lábios macios e suaves. O beijo foi rápido, pois o pai da minha bela Maria estava se aproximando com uma junta de bois fortes e saudáveis da raça nelore. Disfarçadamente nos despedimos e seguimos em rumos diferentes. Ao chegar a minha casa, refleti em cada palavra dita por Maria sobre o miserável do primo dela. Nicolau tinha fama de ser violento com as pessoas, por isso, era mal visto por todos que o conheciam. Maria tinha medo que sua família, especialmente sua mãe, obrigasse ela a se casar com o déspota do Nicolau apenas por causa de sua recém adquirida fortuna. A família de Maria Rezende era muito pobre e a dona Rosália, mãe de Maria, era pior que Judas quando o assunto estava relacionado com dinheiro.
Durante a noite tive assombrosos pesadelos com a faca peixeira de Nicolau atravessando o meu surrado e covarde corpo. Detestava admitir, mas eu era tudo, menos corajoso. Defender a minha amada tornou-se um dilema e um martírio. Porém, num daqueles golpes do destino, acabei topando no dia seguinte com um velho amigo, João “o rei do facão”, assim chamado por que ninguém na região manejava um facão igual a ele. Ao contar-lhe minha situação, meu velho amigo se dispôs a me ajudar. Bolamos uma intrincada armadilha para por um fim no sujeito. Embora eu jamais tivesse sido a favor desse tipo de coisa, acabei mudando de idéia só em pensar que minha querida iria me odiar eternamente se eu a deixasse nas mãos do Nicolau por medo da morte. De fato, eu tinha medo de morrer na ponta da peixeira de Nicolau, no entanto, ser taxado de covarde pelo mundo e pela mulher que tanto me amava, estava fora de questão.
A chegada de Nicolau deixou o povo de cabelo em pé. Zé Muriçoca, João Pernilongo e Pedro Mosquito levaram a maior surra de suas vidas no bar do Alambique. Nicolau, recém-chegado na cidade, foi logo tomar uma pinga de rasgar a goela e esquentar o fígado. Na porta os três bêbados tentaram lhe roubar a sacola cheia de dinheiro que trazia. Não demorou muito e Nicolau estava riscando sua peixeira no chão do bar, fazendo sair faíscas e lingüetas de fogo. Zé Muriçoca partiu em disparada até conseguir pular a janela. Enquanto João Pernilongo e Pedro Mosquito fugiram pelos fundos, mas não sem antes levar a marca da peixeira de Nicolau nos fundilhos. Quando Zeca veio me contar essa história eu juro que quase borrei as calças na mesma hora! Minha situação estava mais cabeluda do que as pernas da viúva Gerusa! Minha última esperança era o meu amigo “rei do facão”.
— Quero fugir! — disse Maria no dia seguinte. — Você é o único que amo verdadeiramente! Se Nicolau me desposar eu me mato, ouviu?
— Vamos fugir sim, mas antes precisamos dar um jeito em Nicolau. — falei enquanto enxugava o suor da testa com a manga da camisa. — Não quero passar o resto de meus dias com medo daquele canalha nos encontrar e nos matar a sangue frio.
— O que vamos fazer? — disse minha amada, olhando firme para os meus olhos.
— Logo você saberá! — respondi seguro de que tudo correria bem.
O plano arquitetado foi posto em prática no dia em que Nicolau foi pedir a mão de minha amada em casamento. O nosso amor proibido seria muito bem aceito sem a presença daquele filho de um cão.
A casa de Maria Rezende era simples, mas possuía uma inenarrável formosura. Nicolau apareceu no velho portão da frente e gritou:
— Oh de casa!
O semblante da avarenta mãe de Maria exibia um peculiar sorriso mesquinho e arrogante, sendo ela tia de Nicolau, desejava ardentemente por as mãos no dinheiro de seu sobrinho. “Esse casamento caiu do céu!” Pensava Dona Rosália fitando o bem trajado Nicolau. Como havia sido combinada a idéia, Maria não estava em casa e isso fez o sangue de Nicolau ferver nas veias.
— Como assim saiu? Por acaso não combinamos que hoje eu viria visitar esta casa com o intuito de fazer a bela Maria Rezende de minha noiva e futura esposa? Onde se meteu minha prima? Responda minha tia?
— Daqui a pouco ela chega e vocês conversam! Por favor, Nicolau tenha paciência!
Meu amigo João, “O rei do facão”, entrou ao meu lado no portão da casa de minha amada, logicamente a velha Rosália queria nos botar pra fora, mas mudou de idéia quando nos viu conversando com Nicolau:
— Nunca fui com a cara de vocês, mas entrem, por favor! Façam companhia ao meu sobrinho.
A velha sabia que se Nicolau estivesse entretido conversando com alguém não iria se aborrecer com a demora de Maria. Ela mesma saiu para procurá-la, enquanto conversávamos jogando uma partida de pôquer:
— Ganhei de novo! Vocês não sabem jogar, seus frouxos! — disse Nicolau.
— Que tal deixarmos as coisas um pouco mais emocionantes, isso se você tiver coragem? — indagou meu amigo.
Nicolau adorava um bom desafio, por isso não pensou duas vezes antes de aceitar a aposta.
— Muito bem! Eu aposto um terço do meu dinheiro contra a escritura do seu terreno! Depois que eu conseguir depenar você será a vez de seu amigo.
Naquele momento apostei toda a minha confiança nas habilidades do meu amigo no pôquer. João não só era bom de briga, mas também ótimo jogador de pôquer. Poucos foram os homens que o venceram numa partida. E ao que tudo indicava o plano corria as mil maravilhas, afinal deixar que Nicolau ganhasse as primeiras partidas fez ele se sentir invencível a ponto de apostar seu dinheiro naquela humilde mesa de jogo. O sorriso de Nicolau era evidente, e por um momento achei que ele tinha ganhado a partida, eu, por outro lado, já havia caído fora da disputa daqueles dois gigantes há muito tempo, agora estava apenas observando cada jogada. E quando o bastardo revelou sua mão colocando as cartas na mesa e exibindo o triunfo na face cor de ébano, meu coração quase enfartou! Os quatro reis que segurava era uma ótima mão, no entanto, como quem sabe o que faz, meu amigo mostrou os seus quatro azes derrubando por terra o sorriso de Nicolau, que tendo perdido grande parte da sua fortuna ergueu-se em fúria contra João e o agarrou pelo colarinho da camisa bege que estava usando. Imediatamente meu amigo deu de mão de um pedaço de caibro encostado na parede e tacou na cabeça de seu adversário. Inconsciente, Nicolau foi ao chão! João me entregou o dinheiro que havia ganhado na partida, depois levou Nicolau até o quarto da mãe de minha amada.
— É hora do plano B! — Falou meu amigo.
Tiramos a roupa do miserável e o colocamos na cama de casal dos Rezende junto com um bilhete, uma garrafa de pinga vazia e uma calcinha de dona Rosália sobre o peito nu. Rapidamente saímos da casa e nos escondemos na copa das mangueiras próximas do terreiro da casa. Meia hora depois chegou Jerônimo, o pai da minha linda Maria, junto com seu filho Juca, os dois adentraram a casa e minutos depois se escutou o barulho de tiros e gritos ecoando pelo interior da residência.
— Filho de uma égua! Excomungado, eu te mato! Cachorro, sem vergonha de uma figa!
Vimos apenas um vislumbre de Nicolau saindo correndo com o lençol da cama enrolado na cintura e abaixando a cabeça com medo dos tiros da espingarda do seu Jerônimo. Sorrindo, comecei a lembrar do que escrevemos no bilhete:
Minha querida tia,
Tomei um porre daqueles junto com o João e o Reinaldo, depois que eles se foram acabei desabando em sua cama e percebi que acima do meu amor por Maria, está o meu amor por você! Tenho um tesão enorme no seu corpo e minha paixão pela senhora arde mais que as chamas do sol! Vamos fugir juntos, afinal é pecado amar sem medidas? Acho que não! Deixe esse bocó do meu tio na solidão e vamos curtir a vida mundo afora! Estou completamente apaixonado por você titia, tudo o que mais quero é transar loucamente com você em cima da cama do corno do meu tio!
Com amor Nicolau.
Após esse acontecimento, nunca mais ninguém da região ouviu falar no nome de Nicolau. Dona Rosália e seu Jerônimo me aceitaram como genro e enfim eu pude me casar com a minha querida e amada Maria Rezende. Ninguém, a não ser Maria, João e eu sabia de como realmente as coisas tinham acontecido, embora minha sogra tenha custado a acreditar nas palavras do tal bilhete, no entanto, após alguns dias, acabou aceitando que o seu sobrinho era um tarado, pervertido e imoral da pior espécie!
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