VELHO BABACA

Meados do ano de 2000, primeira turma do curso de direito na Unibrasil. No período noturno existiam duas turmas de 40 alunos, e as aulas aconteciam no então outrora convento das irmãs Oblatas.

Estavamos tendo aula com o professor Maliska, nos introduzindo (literalmente) os fundamentos críticos do direito público, devia estar falando de Hegel, Nietzche, Friedrich Mueller, algum autor alemão..., a didática não era sua prioridade, seu tom lento e sua forma de voz tranquila e pausada faziam com que qualquer aluno entrasse em estado de letargia, para outros servia como sonífero, alguns um leve sono, outros chegavam ao ponto de babar nos cadernos.

O convento ajudava neste ponto, trazendo aquele conforto espiritual alicerçado em anos de preces, rezas e cantos das freiras nas hoje salas de aula.

A aula transcorria neste silêncio dos alunos, quem não dormia tentava decifrar o que o professor pretendia dizer com alguma palavra em alemão escrita no quadro negro (ou já era quadro verde?), somente um grupo de senhoras que sentavam nas primeiras filas prestava atenção na aula.

Segue-se a aula, na verdade duas aulas seguidas de puro, devo dizer, aprendizado! O professor agora estava estático na frente do quadro negro, analisando a palavra que acabara de escrever.

Não sei se também não estava entendendo aquele garrancho, ou estava recebendo uma mensagem do além dos autores alemães, para em breve proferir com entusiasmo o significado da palavra “Bundesverfassungsgericht”*. Claro que não me recordo da palavra precisamente...mas esta serve.

Além de estático estava em silêncio, colocou a mão na cintura, pensava... depois colocou a mão direita no queixo, meditava... mexia a cabeça para a direita, depois para a esquerda, mudou a mão do queixo, colocou a esquerda. O tempo passava, ele em silêncio... a turma também.

A palavra continuava no quadro... ele olhava para o quadro, nós para ele.... aquela figura magra, feito um palito. Diziam as más línguas que se ele comesse uma coxinha ele ficaria com a barriga igual de uma mulher grávida de 8 meses e meio.

De supetão falou áspero:

- vou fechar a porta, o barulho está incomodando!!

O barulho vinha da conversa dos colegas da outra turma, que já estavam liberados para o intervalo.

Nisso, Nelson, que cursava sua segunda faculdade, um alemão grande, bem grande, sobrava para fora da cadeira, gerente de um hotel em Curitiba, disse apontando para janela que ficava atrás dele:

- não professor, o barulho não vem pela porta, vem da janela....do pessoal que está na cantina para o intervalo!

Enquanto o Nelson falava e apontava para trás, o professor se deslocava da porta que havia fechado para sua mesa.

E o Cláudio, um rapaz novo de idade e novo na cidade, veio de uma colônia alemã na região de Guarapuava, interior do estado para estudar na capital, sentava ao lado da janela que dava para cantina, atrás do Nelson.

Cláudio estava entre os que dormiam na aula, levantou a cabeça sonolento bem no exato momento que o Nelson falava e apontava em direção a janela e também em sua direção e perguntou assustado:

- hã... o que foi, o que ele falou?

Rápido como uma lebre, Demócrito, apesar da idade, já era aposentado pelo INSS, experiente diretor de uma empresa de energia, o pernambucano que se achava carioca e já estava habituado aos costumes curitibanos, que sentava na frente de Cláudio, respondeu sério:

- o professor tá te chamando!

Cláudio levantou com aquela cara de sono, e ligeiro se dirigiu até a mesa onde o professor já estava sentado e procurando entre os papéis espalhados a ficha de chamadas. Cláudio falou todo preocupado:

- sim professor???

O professor olhou para ele sem entender nada e resmungou:

- hã, o que você quer???

Cláudio já meio confuso disse:

- O professor me chamou!!??

O professor que já estava um pouco irritado devido ao barulho que vinha da cantina e porque não achava a ficha de chamadas, respondeu secamente:

- não chamei ninguém!!!

Cláudio corou de imediato e ficou sem reação, paralisado na frente do professor. E olhando para trás, viu seus colegas se partindo de dar risada, entre eles o Demócrito, o Nelson, e claro eu.

Cláudio pediu desculpas ao professor tão baixo que o professor não escutou. Cláudio irritado e envergonhado, pois no momento era motivo da alegria dos colegas, saiu com a cabeça baixa e retornava para seu lugar.

Nos poucos passos da mesa do professor até sua cadeira, Cláudio olhava fixamente para o Demócrito, olhos de fúria, a raiva do jovem interiorano estava aflorando. Ao passar pelo Demócrito, falou áspero:

- VELHO BABACA!!!

E continuou, indignado:

- nunca mais fale comigo...seu velho babão!!! você vai me pagar!!! pode esperar!!!

Cláudio, sentou resignado em sua carteira, pois todos ao seu redor estavam dando risada, pelo menos aqueles que acompanharam o desenrolar da cena desde seu início.

Os outros colegas não entenderam o motivo de tanta risada numa aula chata e sem graça.

*Tribunal Constitucional Federal Alemão

Juvenal Tiodoro
Enviado por Juvenal Tiodoro em 26/07/2011
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