O BAILE DE RAMADA
Para quem não tem conhecimento, fez parte da tradição gaúcha os chamados bailes de ramada, expressão que deriva do fato de a bailanta acontecer em um ambiente criado especialmente para essa finalidade. Alguns moirões eram cravados em forma de retângulo ou de quadrado, onde eram terçadas ramas verdes para atacar o frio e manter um mínimo de aparência de uma sala de baile.
Ficavam lugares abertos que aparentavam portas e janelas.
Lá no terceiro distrito de Canguçu não era diferente. Seguidamente ocorriam bailes de ramada, de maneira muito especial na localidade denominada “Rincão das Panelas”, nome corolário do uso de panelas de ferro em fogo de chão.
Entretanto, não raras vezes a cachaça e o vinho tinto suave acabavam por provocar desavenças que deixavam algumas vítimas tendo de ser socorridas por paramédicos de campanha. Isto normalmente ocorria pela oportunidade de “acertos de contas” que o baile propiciava à gauchada.
Tais rebuliços se tornaram freqüentes fazendo com que a autoridade policial da região, um “aba-larga” - denominação dada ao integrante da Polícia Montada da Brigada Militar -, chamado Dirceu, em acordo com o Subdelegado daquele distrito, concluiu que os bailes deveriam ocorrer mediante licença prévia a ser obtida junto à Subdelegacia, para que a força policial de um homem só ficasse de sobreaviso.
Alguns atendiam a determinação, outros não.
Dirceu, homem de consistência física franzina, com cerca de 1,6 metros, tinha dificuldade até mesmo de portar a espada pela pouca estatura, mas era de um agilidade enorme, além de ser um homem perfeitamente integrado com a comunidade que lhe atribuía amizade e respeito. Entretanto, quando se referia às arruaças, era implacável, sob pena de perder o controle da situação, haja vista a extensão territorial do terceiro distrito onde ele deveria impor respeito sozinho.
De tantas contendas nos bailes de ramada no “Rincão das Panelas”, Dirceu, ao tomar conhecimento de que ocorreria mais um evento, no final da tarde começou a se preparar para comparecer ao baile sem licença. Deu brilho na espada. Colocou balas novas no revólver – um 38 de cano curto escolhido a dedo para a ocasião – e, por fim encilhou o cavalo. Ao sair pegou um mango, espécie de relho que no lugar da açoiteira tem um largo pedaço de couro cru, com uma imensa argola de metal na parte superior.
No início da noite já estava na estrada, com destino ao local onde aconteceria o baile de ramada, distante uma duas léguas – aproximadamente 12km – do destacamento policial.
Ao chegar ao local Dirceu entendeu que deveria ficar um pouco distante da ramada, já que o baile estava em andamento e, pelo que sabia, o início da encrenca era uma questão de tempo.
Não deu outra! Próximo à meia-noite estourou o rebuliço! A gritaria deu conta que a coisa era feia.
Dirceu fez as contas e concluiu que se entrasse no entrevero talvez não saísse vivo. Então, como a ramada foi levantada próximo a um barranco que se situava na abertura chamada porta, ali se postou, ficando mais alto em relação a quem saísse. Na mão esquerda segurava seu 38 de cano curto e na outra o mango com argola de metal, virado, de maneira que a argola ficava para a parte inferior.
Foi uma loucura! Assim que saíam os contendores Dirceu despencava o mango sobre a cabeça e o vivente caía ali mesmo, desacordado. Poupou somente as mulheres e crianças.
Quando terminou o serviço, Dirceu providenciou um maneador – algema de campanha que prende vários juntos e de uma só vez – e maneou todos os contendores.
Ao amanhecer Dirceu colocou todos os brigões por diante, maneados uns aos outros e, devagarinho, levou a todos para o Posto de Polícia, dando severo costeio nos mesmos, fazendo com que arrancassem carqueja durante todo dia no campo onde se situava o destacamento, liberando-os à tardinha.
Contam os mais velhos que daquele dia em diante os bailes de ramada passaram a ocorrer sempre com licença prévia da autoridade e com sensível redução no número de encrencas durante o evento.