CONVERSA DE DOIS PESCADORES À BEIRA DO RIO
O que vou contar para vocês se deu num dia zunindo de frio. Eu e outro compadre, o Juca Pato, que criava galinha, mas nunca criou pato, estávamos ali, na ribeira da varanda, descascando o fumo, e lamentando aquele baita frio que só de pensar, nossa, congelava até pensamento. Bem, sem mais delongas, rapaz que palavra bonita, de lon gas, não sei por que, mas gosto dessa palavra. Vixe! Que já me distanciei do pretendido, vortemo, quer dizê, começemo a narrativa que Juca pato me contou, foi mais ou menos assim:
_ Sabe compadi, estive pensando...
_ No que, cumpadi?
_ Estive pensando qui quando chamei ocê pra pescaria, não imagina o trabaião qui ia dá: prepara anzór, caçá minhoca, cavucar prá acha minhoca, prepara o que de bebê – a cachaça -, o que de cumê. Não fazia idéia da labuta que ia ser.
_ Que nada cumpadi! Isso não é trabaio não. Trabaio foi convencer a patroa, sua irmã, da pricisão da pesca. Óia que estamos passando um sacrifício danado, sem ter o que comer, falta farinha, arroz, feijão e um pedaço de jabá lá em casa.
_ É, nisso ocê tem razão.
_ Então, falei isso, assim, prá muié “ óia véia, nóis vamo pescá, vamo sair cedinho da silva, vamo chegá no rio antes dos peixe prá num tê escurpa de num pegá nada. Ocê vai vê, vou trazê um balaio cheinho de peixe que ocê vai até injuá de tanto peixe”. Ela aceito.
_ É cumpadi, nisso ocê também tá certo. Mas óia o trabaião ter que prepara tudo isso: a vara, as isca...
_ Cumpadi, ocê num queria vim pesca e num tê trabaio, nè? Ocê num pensou que pesca é vim aqui, chamo os peixe e eles vem direto pra sua mão, sem nem um pouquinho de trabaio?
_ Nisso, ocê também tem toda razão. É que não falei dum pobreminha.
_ Que pobreminha? Num vai dizê que num tem peixe?
_ Num é isso.
_ O que é então?
_ É que um fazendeiro mandô dizê que num pode pescar.
_ Por que não? O rio é dele?
_ Não.
_ Por que num pode, então?
_ Porque ele num qué e acho que nóis temos que aceita.
_ Não, cumpadi! Nóis tivemo um puta trabaião, levantamo cedo, eu quase briguei com a muié e ocê, ocê mesmo, num disse que Raimunda disse que se não trussé peixe, o lombo vai esquentá? E agora, ocê vem com essa de não dá prá pesca porque um fulano disse que num qué. Oxê, que aceito isso. Tá bão que vou encolher as pernas...eu vou fica.
_ Então, tá, ocê fica qui eu vou embora porque num quero qui falem que sou barderneiro, qui num respeita opinião das pessoas que sabem das coisas. Ocê sabe que o fazendeiro é doutor?
_ E daí...
_ E daí que ele sabe o que istá dizendo. Se falou que num pode pesca é porque num pode e vou aceita. Ele é estudado, sabe das coisa, sabe até de política!
_ Tá bom cumpadi, vai embora, vai pensando qui enquanto nóis deixa que eles falem o qui fazê, nóis sempre vamo sê caipira pra eles. Vamo sempre cumê as migalha, enquanto eles comem o banquete. Ocê nunca atinou pra isso, cumpadi? Óia, por essa luiz que me alumia, posso não saber das coisa, mas de uma coisa eu sei, num vou aceita que falem o que posso ou não posso fazê, porque se calar vamo continuar proibido de pesca prá cumê.
dezembro/2001