O BENZEDOR




Era figura lendária na vila de chão de terra. Sua casa ficava a beira da estrada, cujo quintal dava para a mata repleta de araucárias, pinheiros, eucaliptos e formosos ipês amarelos.
Era uma casa modesta. Com varanda branca e janelas na cor verde que se mimitizavam as matas.
No interior pouca mobília. Na sala um banco de madeira, servia de descanso para as pessoas que vinham procurar aquele caboclo diariamente. Uma mesa rústica com algumas cadeiras em volta.
Num canto um itajer abrigava várias imagens de São Jorge, Cosme Damião, Santa Bárbara, e outras tantas, que a memória já não consegue alcançar.

Sentado a volta da mesa, seu Eusébio, compenetrado orava. Numa língua que somente ele entendia. Tinha a sua frente, uma vasilha com água fresca e dentro dela, descansavam ramos de poejo, alecrim, arruda e outras ervas. Todas semeadas e carinhosamente cuidada por ele, em sua horta.
Cultivava hábitos diferentes para seu o tempo. Aquele estranho homem.
Numa vila onde todos criavam galinhas, porcos e vacas em seus imensos quintais, para se servirem deles em suas mesas.
Ele também os criava, mas nunca para o abate. Somente usava os ovos e o leite. Os deixava morrer de velhice. E deles cuidava com carinho que comovia.
Alem dos ovos e leite, sua alimentação consistia de vegetais, frutas e grãos. Que ele mesmo plantava. E quando ia colher as alfaces, escarolas, tomates, feijões, que cresciam formosas em seus canteiros. Pedia licença a natureza e agradecia a terra e as sementes pela dádiva do alimento.
Seu ofício era: costurar calças e camisas masculinas, para os moradores daquele vilarejo pacato.

Dona Albertina nasceu na Alemanha, era formada em Filosofia e veio parar naquele local, devido a profissão de seu marido, que era Botânico.
Ela já ouvira muito falar das habilidades de cura daquele caboclo rústico de aparência, e sem cultura alguma, sendo mesmo analfabeto.
E ria sozinha em sua bela e ricamente mobiliada casa, das crendices, do povo daquele lugarejo simples.
Assim o fez, até o dia que seu único filho de nome Gunthar, brincando nos jardins bem cuidado da casa, foi picado por cobra peçonhenta.
Achado agonizante no quintal, o menino foi carregado ao colo pela mãe, que enlouquecida gritava por ajuda.
Logo o único médico da vila, veio em socorro, mas nada podia fazer. Corria o ano de 1957, e naquele lugar distante dos grandes centros, tudo era precário.
Alguém lembrou-a do Seu Eusébio, o caboclo Benzedor. Ela incrédula, mesmo assim não pestanejou. Seu filho estava a morte.
Assim foi que o menino deu entrada naquela sala simples, mas enriquecida por estranha luz.
Logo que ali adentrou, ela sentiu no ar algo diferente, que a encheu de paz.
Seu Eusébio tomou dos galhos de ervas que descansavam na vasilha. E com gestos seguros ia passando pelo corpo do menino, detendo-se no local da picada da vibora.
Sua voz ia recitando em língua desconhecida repetidas frases.

Após um quarto de hora que ele benzia o menino, do local da picada um líquido começou a fluir viscoso, escorrendo pelo pé da criança, indo cair no colo da mãe.
Com calma Seu Eusébio foi ao quintal, apanhou de sua horta muitas ervas, colocou em um pilão e esmagou com paciência e sem pressa.
Depois pegou da mistura e colocou em cima do ferimento, e com um pedaço de pano alvo, enfaixou o local.
E disse a Dona Albertina: Leve o menino e o deixe repousar. Amanhã bem cedo, traga-o novamente para o benzimento. E assim faça até curar a ferida.

Daquele dia em diante a altiva mulher, reconheceu que não sabia de quase nada.
E passou a respeitar com gratidão aquele simples matuto analfabeto das letras. Mas, que sem dúvida era pós graduado na escola da vida.



Lenapena
Enviado por Lenapena em 13/07/2011
Reeditado em 09/11/2011
Código do texto: T3092336