A MULHER DE BRANCO

Diz-se, à boca ancha e larga, por aí, que as aparições são um sintoma dos tempos em crises. Mas as crises não param, andam à solta, desembestadas, desde os idos imemoriais.

Quem viveu somente em clima de extrema tranquilidade, ali no bem-bom, posto ou navegando num belíssimo mar de paz e de sossego? Nem na Ilha da Fantasia. Lá, também, que nem sei onde fica, devem existir as crises.

Ou, por outra, até no dito mar de rosas, com certeza, deve haver os apuros, a violência, a miséria, a corrupção, as drogas, maiores e menos abandonados, enfim, os arranca-rabos da vida.

Crises disto e daquilo, muitas imaginárias, além das reais, que nos pegam pelo pé, e o povão e os governantes ainda as inventam de todo tipo, coloração e qualidade.

Na Serra da Ibiapaba, no interior cearense, bandas norte do Estado, agora nos vêm com uma das sucessivas arrumações da invencionice popular: a assombração de uma mulher toda de branco, que desfila placidamente pelas madrugadas do município de Ipueiras, jurisdição próxima à Ipu de José Alencar, mais precisamente da bela índia Iracema.

Segundo o notável e romântico indianista, lá, na famosa Bica do Ipu, a noiva de Moacir tomava seu banho matinal, na cristalina queda d’água, e mais que depressa, a centenas de quilômetros, vinha secar os longos e lindos cabelos, bem ali, às nossas ventas, na Ponta do Mucuripe, na orla de Fortaleza.

Criatividade do nosso romancista maior, à parte, ora essa, então que macacos me engulam! Ainda mais essa coisa de mulher de branco, indo e vindo, lá pela terrinha boa e bonita da minha amiga Belinha e do gigantesco poeta Gerardo Melo Mourão, reconhecido e laureado até pela pelo crivo da ONU.

O fato é que o zé-povo do lugar, beirando ali entre a zona rural e a urbezinha de Ipueiras, bem no miolo da Serra Grande, que se estreita com o Piauí, todo mundo por lá anda vendo as visões de uma dama de branco, sempre ao avesso das horas.

Um jovem ciclista presenciou a arrumação da visagem. Na estradinha carroçável, quanto mais o gajo pedalava mais a dona de branco o seguia, quase voando, e a seguir desaparecendo como por encanto. Depois, outra vez, lá se vinha ela e novo chá de sumiço.

Uma senhora de meia idade não aguentou os trancos. Diante do microfone de um repórter, deu chiliques, e asseverou por a mais b que, pelas venezianas, altas horas, ela vira a mulherona na pracinha em frente. E a visagem tinha um chiado da gota, uma roncaria da moléstia. Quem sabe, teria morrido de tísica, coisa que nem o Mr. Robert Koch daria uma explicação plausível.

No rol dos entrevistados, a bola da vez foi de um sitiante. O pobre, ali pelo mês de maio, teve que passar nos cobre a pequena propriedade. Vira a mulher de branco, com o olho que a terra há de comer, e, como a senhorinha da pequena praça, o sitiante não tolerou o canjirão das coisas do outro mundo.

Sei lá... Outros depoimentos atestaram os acontecidos. Por exemplo, um senhor já velho, anoso que só Matusalém, mas bicho acostumado que fora a pegar boi pelo chifre, confessou-se todo borrado de medo da mulher de branco.

Curioso que ninguém lhe divisa os traços da cara. É só a mulher de branco, a mulher de branco... Além daquele chiado, possivelmente oriundo das cavernas do peito da aparição, nem mais azul de descrições relatadas.

Não consta se alguma montagem feita, contudo até já mostraram na televisão algumas fotos da distinta dama, que só aparece mais às madrugadas. Porém fotos confusas, sem muita nitidez.

Assim mesmo, sem provas científicas, em face do sobrenatural, a fama e escama do Neymar, o garoto que semana atrasada teve a glória de sete páginas na ISTOÉ, pode andar ameaçada. O cartaz da Lady Gaga, também; pode ir pelo ralo.

Com todo o alarde de cu-doce que o brasileiro reverencia a quem cava a vida com os pés, o trono da importância, na conjuntura atual, ainda está com aquela visagem da mulher de branco. Pelo menos lá, em Ipueiras, na Serra da Ibiapaba, terrinha do poeta Gerardo Melo Mourão. O político e poeta era um fascista, quando jovem, igualzinho a Alceu Amoroso Lima, o “Tristão de Ataíde”, mas, na madureza, como este, redimiu-se em um socialista convicto.

Fort., 10/07/2011.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 10/07/2011
Reeditado em 16/11/2011
Código do texto: T3086490
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