A morte da vaca

Quando ainda morava no interior, lembro que ao lado da minha casa havia uma pequena vacaria, onde haviam duas ou três vacas leiteiras, cada uma com seu bezerrinho. A vacaria pertencia ao Dedé, que tinha outras ocupações e deixava o gerenciamento do local a cargo de Mundim. Dedé era quem mantinha financeiramente a vacaria e ficava com os lucros, que acredito, era somente o pouco leite produzido pelas vacas, que Dedé dividia uma parte com Mundim. A vacaria tinha um empregado encarregado de prover alimentação e água para os animais, além de outros cuidados. A rotina da vacaria era pouco alterada. Diariamente as vacas comiam, bebiam e ficavam deitadas a sombra enquanto ruminavam e tangiam as moscas com o rabo. A hora da ordenha era no início do dia, ao raiar do sol. Naquele tempo as horas não tinham pressa e o dia era mais longo.

Certo dia houve um pequeno incidente quando a vaca Fulô estava sendo ordenhada por Mundim. Um menino chamado Lelé entrou na vacaria com uma camisa vermelha e Fulô ficou “meia” estressada, certamente “pensou” que ele era um toureiro. Isso fez com que os outros meninos que estavam observando a ordenha e esperando pra ver se iam ganhar um copo de leite “mugido”, dessem um esparro em Lelé. Nesse momento o bezerro Carrapato, soltou-se e saiu correndo pelo curral. Lelé saiu correndo atrás dele, tentando capturá-lo. Lelé era um garoto franzino, conhecido pela sua velocidade. Ele logo conseguiu pegar Carrapato pelo rabo, mas ele não levou em consideração que Carrapato tinha mais força e quando Lelé parou, achando que conseguiria parar também Carrapato, este o derrubou e o levou arrastando pelo curral, mas Lelé continuou segurando no rabo dele. Os outros meninos gritavam:

- Solta o rabo Lelé, solta o rabo, solta o rabo.

Enquanto ia sendo arrastado, levantando poeira pelo chão de terra, cheio de bosta de vaca e carrapicho, Lelé ainda teve tempo de olhar pra trás e gritar:

- Eu sou é macho.

Com a intervenção de Mundim, Carrapato foi capturado e Lelé levantou-se com “os peito todo relado” e cuspindo a areia da boca.

Depois desse episódio, nos dias que se seguiram, a vaca Fulô foi ficando triste, não tinha entusiasmo para comer, era um fastio “da mulesta”. Ficava o dia todo deitada e não tinha ânimo nem para tanger as moscas com o rabo. Ela já não dava mais nem um mugido sequer. Mundim avisou a Dedé, que comprou alguns medicamentos e entregou a Mundim, pedindo que este cuidasse de Fulô.

Apesar dos cuidados, Fulô não melhorava e certo dia, Dedé perdeu as esperanças na recuperação de Fulô e falou para Mundim:

- Salve a Fulô, que eu dou ela pra você. Ela é sua.

Mundim passou a cuidar de Fulô com muito zelo e determinação, mas ela não melhorava de jeito nenhum. Mundim trouxe até uma rezadeira pra rezar em Fulô. Num gesto de desespero, Mundim chegou a dar uma forte mordida no rabo de Fulô pra ver se ela levantava-se, mas esta, diante da dor que sentiu, chegou apenas a emitir um “muuu” bem fraquinho, se remexeu toda e soltou um peido na cara de Mundim. Este se levantou e saiu limpando a boca cheia de pelos do rabo de Fulô, com lágrimas nos olhos. Não sei se as lágrimas eram por causa da emoção pela situação de Fulô ou pela perda da vaca que tinha acabado de ganhar, ou ainda, se foi a catinga do peido que entrou nos olhos dele.

Pra finalizar a história, coube a Mundim cavar um buraco num canto do curral para enterrar a sua vaca Fulô.