** A Jaguarana pichuna **
Antero, geraiseiro que tinha uma fazenda no lado oeste do Rio Una, ao sopé da Serra dos Gerais, levava sua vida simples, atarefado com suas criações de cabras, ovelhas e umas vaquinhas de leite para o consumo da família.
Em tempos de vacas magras, no verão, quando o pasto secava, Antero e muitos de seus vizinhos tinham que levar seus animais para o Machombongo, terra de ninguém, no alto da Chapada Diamantina, grandes áreas planas cortadas por córregos e grotões, onde o pasto nativo verdejava abundante em meio aos seixos e as sempre vivas. Por lá ficavam com provisões para grande temporada.
Contudo, o Machombongo tinha um preço a ser pago, pois lá naquela imensidão de planaltos, às margens de suas escarpas, viviam as onças, que ao cair da noite estavam sempre à espreita de alguma rês desgarrada. Para isso os geraiseiros contavam com seus cães de fila, verdadeiros guardiões que farejavam as "gatunas" e davam o alarme ao menor sinal de suas investidas.
As sussuaranas ou onças pardas, animais de pouco mais de quarenta quilos, eram facilmente afugentadas pelos cães, porém as onças pintadas, com seus robustos sessenta a noventa quilos, enfrentavam os cães e aterrorizavam os homens que atiravam a esmo em meio à escuridão e o alarido dos cães.
No dia seguinte, quando se descortinava no arrebol, em meio às brumas daquela imensidão, os homens contavam suas perdas, e sempre davam por falta de algum borrego, ou daquele animal debilitado, que se tornava presa mais fácil para as felinas. Tinham também que curar as feridas de algum cão, arranhado pela pintada durante o ataque.
Já por volta das nove da manhâ daquele dia, os homens se reuniam em torno de uma fogueira para um café e uma prosa, e o assunto... como não podia deixar de ser, era onça, e cada um contava do seu jeito (mentiras à parte) o seu causo instigante, medonho, onde as "bichanas" eram sempre abatidas por algum valentão que virava herói em suas estórias.
Antero, que estava calado, com um talo de capim entre os dentes, levantou-se, deu uma longa tragada no seu "pacaia" (cigarro de palha de milho e fumo de rolo) bafejou e disse:
_"Dispois da onça morta quarqué cachorro mija em riba, quero vê quar doceis qui vai matá essa daqui, mode qui ieu orví dizê, lá na feira do Rumo, qui ela é a tali jaguarana pichuna, onça nega pintada de preto, com zói de fogo e uma bocona cheia de dente qui corta um boi no meio".
Um silêncio medonho tomou conta de todos, que calados, cabisbaixos, levantaram acampamento e tocaram os animais para outra pradaria mais ao centro do chapadão, chegando lá, já era tarde e o sol descambava por detrás da serra, rapidamente, cada um procurava seu melhor abrigo por entre as rochas que afloravam naquele prado, até que a lua despontou no horizonte prateando a relva que ondulava ao sabor do vento, assim, todos dormiam sossegadamente... homens, cães e criações.
A noite corria tranquila, a lua já estava bem alta, naquele silêncio, que nem mais os grilos e sapos se atreviam quebrar... de súbito, um grunido, animais berrando em desespero, cães latindo, investindo, todos acordaram, pegaram as armas e alguém gritou:
_Lá está ela!
Paralizados, todos a viram, enorme, com suas pintas negras sobre o seu pelo escuro, que cintilavam sob a luz da lua, com olhos de fogo e três metros de comprimento da ponta da cauda ao focinho, até os cães estatelaram... e ela, já com um cabrito na boca, pulou de um rochedo e desapareceu na relva por entre as grunas daquela pradaria...
Valdívio Correia Junior, 07/07/2011
Nota: A Panthera Onça Negra ou Jaraguá Pichuna, em Tupy-Guarany, Jaguarana Pichuna, lá na Chapada, chega a pesar 140 kg, possui pintas negras que rebrilham em seu pelo escuro, elas podem nascer do cruzamento de onças pretas ou de pintadas, ou ainda no meio de uma ninhada de pintadas, é um fenômeno conhecido como melanismo, entre os felinos. Não se trata de uma espécie diferente.