Homenagem a Mário Beleza
Hoje realmente quase não suportei a dor no ombro ao tocar minha cadeira e lembrei de um amigo querido que conheci na ABBR, no Jardim Botânico. Mário Beleza, era assim que o chamávamos pela sua serenidade e sabedoria nas palavras que muitas vezes não compreendíamos, toda vez que conversávamos sobre a vida. Mario Beleza tinha um problema de saúde que o deixava cada vez mais travado a ponto de sentir muita dor por qualquer movimento, um simples movimento de um de seus dedos dos pés, ele gemia de dor! Por isso e também por conta das calcificações ósseas, seus braços não podiam se mexer livremente! Lembrei de um dia daquele ano de 1980 quando passei voado por ele em minha cadeira de rodas no auge dos meus 15 anos naquele corredor do segundo andar do anexo masculino daquela clínica de reabilitação.
_Belezinha!!! Brinquei com ele enquanto seguia atrasado para as sessões de fisioterapia, mas um quase grito de Mario Beleza me fez parar.
_Peraí, peraí rapa! Enxuga aqui. Então peguei uma toalha em seu colo e enxuguei o suor que corria em seu rosto e também penetrava em seus olhos, para alívio da sua agonia. Ele conseguia ainda tocar a sua cadeira, mas não conseguia levantar os braços até o seu rosto. Outras vezes ele me pedia para arrumar os seus pés nos pedais da cadeira para que não ficassem tortos e a custa de muita dor, cada vez que o movia para endireita-lo conseguia deixa-lo confortável. Lembro muito bem de suas feições, uma silhueta magra de pele morena de cabelos crespos e negros como seus olhos. Lembro de uma canção que ele fez e Marco Aurélio, que também é paraplégico, defendeu num festival que aconteceu na própria ABBR. Mário Beleza tocava uma espécie de flauta com teclas de piano e isso ajudava a manutenção de seu fôlego já bem comprometido.
Ele adorava aquele instrumento, tanto que no festival ele deveria tocar com sua flauta apenas a introdução de sua canção, mas ele se empolgou e tocou toda a canção e quando parou para Marco Aurélio entrar com a voz e violão, todos aplaudiram pensando em ter terminado, mas estava só começando. Então Marco Aurélio sorriu e começou a cantar:
"Vem ver o romper da alvorada,
o céu como é mais azul,
vem ver como é lindo a passarada
ao voar em revoada
para o norte e para o sul.
Vem ver a luz do sol
que ilumina toda campina
e nesse dia com alegria
você verá a paz e o amor."
No ano seguinte tive alta da ABBR e nunca mais eu vi Mario Beleza, mas aprendi uma grande lição com ele. "Nem a dor pode nos tirar a paz" Um grande beijo meu amigo Mario Beleza!