Gota ou comprimido?

Gota ou comprimido?

Maju Guerra

Zéartur era um caso a parte. Não haviam chegado ainda à conclusão sobre o real motivo da sua falta de concentração. Alguns atribuíam o fato ao tamanho das suas orelhas, eram das maiores que existiam. Talvez o tamanho das orelhas o impedisse de ouvir corretamente as coisas. Quem sabe o tamanho das orelhas o fizesse ouvir coisas demais, então ele acabava por esquecer parte do que deveria ouvir, escutava apenas o que era da sua vontade. Um caso a ser estudado, certamente. Burro ele não era, já havia feito teste de QI, sua inteligência passava até um tanto da média.

Certa feita, o pai, seu Anastácio, acometido por uma terrível dor de barriga, chamou o Zéartur porque não tinha jeito. Pediu-lhe que fosse à farmácia comprar o remédio com urgência, não conseguia sair do banheiro. Avisou ao Zé bem avisado:

- Preste bastante atenção, eu quero o remédio em gotas, não quero o de comprimidos, você escutou? Não vá me trocar nada, criatura, a situação é séria.

O moço foi em um pé e voltou em outro. Ao chegar, mostrou o frasco todo satisfeito:

- Olha direitinho, pai, comprei o de gotas.

Seu Anastácio disse-lhe para colocar imediatamente vinte gotas em meio copo d’água, mexer com a colher e trazer-lhe a mistura. O Zéartur foi para a cozinha, de repente ele gritou:

- Ô pai, quanto você pesa?

O pai não compreendeu bem a pergunta, mas respondeu:

- Eu peso noventa e cinco quilos.

O rapaz comentou:

- O senhor tá gordinho, precisa fazer uma dieta.

Passou mais um tempinhozinho, o Zé apareceu no quarto anunciando:

- Preciso ir à farmácia comprar outro vidro do remédio, este aqui não vai dar não.

O pai, espantado, perguntou:

- Como não vai dar, rapaz? São vinte gotas somente.

Ao que ele retrucou:

-A bula diz que são cinco gotas por quilo. Se você pesa noventa e cinco, vão ser quatrocentas e setenta e cinco gotas. Carece de mais um vidro, já calculei.

Seu Anastácio, furibundo, levantou-se e pegou o frasco do medicamento. Para sua surpresa, não total, é lógico, afinal tratava-se do Zé Artur, descobriu que o remédio era infantil. Esbravejou:

- Como você me compra um remédio pra crianças, Zéartur? Por acaso eu sou criança? Olhe bem para mim, seu descompreendido.

O Zé, sem graça, respondeu com presteza:

-Mas, pai, o senhor só me avisou sobre o remédio em gotas, o resto não disse não. Eu trouxe o que o seu Carmindo me deu. Quer que eu vá comprar o de adulto? Tenho que voltar na farmácia mesmo.

Seu Anastácio concordou, fazer o quê? Assim era o Zé Artur, o povo da casa já se conformara com o jeitinho do rapaz.

Maria Julia Guerra.

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