MENTIRA PORRETA

MENTIRA PORRETA

Tião Manquinho, que não era manco, mas mentiroso como todo pescador, morava sobre as pedras da costeira, em um barraco de pau-a-pique e sapé, que o mar, em época de ressaca lambia a soleira da sua porta, visitava esporadicamente a minha avó materna, uma pessoa sisuda, que nunca ria, nem um sorriso ao menos se percebia em seus lábios. Tião, uma pessoa solitária, ele vinha dividir sua solidão com minha avó e ficavam horas a fio conversando. Eu, molecote, mal saído das fraldas, ficava zanzando por ali e ouvindo as histórias que ele contava.

– Dona Mariquinha – era assim que chamavam minha avó – a senhora não sabe o que me aconteceu noutro dia. Eu fui pescá lá distrais das ilhas, logo a tardinha e peguei uma tempestade pela ventas. Eu tava na minha canoinha de dois lugares e logo vi que apenas com a força do remo eu não ia consegui chegá a um lugar seguro, me apeguei com meus santos e deixei que eles guiassem o meu destino. As ondas cresciam como paredões de água com mais ou menos vinte metros de altura, a canoinha subia e descia, corcoveava nas ondas, vira não vira, eu chamando por tudo que era santo, o remo já se partira e tinha sido levado pelas forças das águas. Tudo em volta era negro como breu, nisso a canoa bateu em alguma coisa que por causa da escuridão, eu não vi o que era, e minha canoa, a minha conoinha preferida espatifou-se e fiquei ali naquele marzão sem sabê o que faze. Me punhei a nadá sem direção até que senti sobre os meus pés uma cosa sólida, tateando com os pés e com as mãos, descobri que era um lajedo de pedra, pois naquela escuridão não dava para saber com exatidão o que era. Fui trepando pela pedra buscando um lugar mais seco e mais seguro, deitei-me e procurei dormir esperando o dia amanhecer pra vê o que eu podia fazê pra me safá daquela situação. Eu tinha bebido um pouco d’água do mar e o salitre na boca começou a me dá sede. Nisso eu ouvi um barulho de água corrente, como se por ali passasse um rio ou cachoeira. Será que isso é uma ilha e tem um rio? Pensei com meus botões. Levantei-me, percorri um pequeno trecho de pedra e fiquei atento tentando escuitá o barulho de água novamente. Nada. Voltei a deitá e tentei dormi, foi a minha imaginação, provocada pela sede. Eu já tinha escuitado muito sobre essas coisas, que às vezes o desespero nos faz vê coisa que não há, que chamam isso de mirage. O somo começou a vir degavarzinho, quando novamente iscuitei o barulho de água, tava sonhando? Esfreguei os zoios. Sentei na pedra. Nada. Deite novamente o barulho tava lá. Fiquei naquela aflição deitava ouvia o barulho, levantava deixava de ouvi, até que o dia foi amanhecendo e eu fui percebendo melhor as coisas. O sol principiava a surgir entre as nuvens do céu, tingindo de vermeio o verde do mar. Percebi que eu estava realmente num lajedo de pedra, tudo em volta era pedra só no meio do mar, realmente não tinha rio ali, nem uma nascentezinha. Tudo era pedra, só pedra. Então como eu iscuitei barulho de água? Me alembrei então que eu só iscuitava o barulho di quando tava deitado, então deitei-me na pedra e fiquei tentando pescá naquele silencio todo o barulho de água. Como se estivesse longe ouvi alguma coisa. Notei que o barulho parecia brotá da própria pedra. Incostei o zuvido na pedra e o barulho veio fluente como um rio. A água tava dentro da pedra! Coisa de louco Dona Mariquinha. Procurei em volta alguma coisa que eu pudesse escavá, furá a dita cuja, pra vê se’u conseguia atingi a água. Nada. Desesperado, a garganta seca, ardendo, não tive dúvidas, meti os dentes na pedra e fui arrancando lascas e lascas da pedra, o sangue escorria da gengiva e dos beiços, mas eu não desistia, metia os dentes e tirava lascas de pedra na minha luta insana pra tentá furá a pedra, até que consegui e a água fluiu como um olho d’água, e era água doce e potável sim senhora.

Nisso minha avó que a tudo ouvia em silencio, fez um ar de riso, um sorriso tímido lhe aflorou nos lábios, assim com quem diz: Eita mentira porreta sô! E o Tião Manquinho percebendo disse:

– E a Dona Mariquinha fica se rindo de mim pensando que’u to mentindo!

Aí minha avó não suportou, ela que nunca ria, soltou uma sonora gargalhada.

Joban
Enviado por Joban em 30/11/2006
Código do texto: T305747