Antônio acorda sobressaltado. Um sonho quase real. Um aviso premonitório. Levanta-se ainda com a cara amassada pelo travesseiro. Cabelos cor de fogo em labaredas, desgrenhados. Olhos verdes, inchados e ramelentos. Cara de areia mijada ainda mais manchada pelas tufos da barba imberbe. Olha-se no espelho e diz para si. 
...Affff! Que noite sô tanso! Tia Maria! Será? Cruz credo! Preciso contar p’ro corôa.
___ Abença Pai.
___ Deus te abençoe toinho. Credu! Que cara de maracujá de gaveta rapagi? Tu tás azúli! Caíste da cama ou tropicaste na lancha?
___ Nadica de nada. Antes fosse. Nem te conto.
___ Desembucha então rapagi!
___ Tive um sonho...
___ Natural. Todo mundo tem ne´!
___ Sei... Mas este foi muito sinistro...
___ Sonho...sinistro... Estás muito ansiado. Parece que viste assombração?
___ Sonhei com a tia Maria...
___ Falei com ela astesdonte. É um coração de pomba. Boa de não prestar. Os dosh vão na Festa da Tainha. Vá... dizimbucha!
___ A noitinha uma Rasga-mortalha empoleirou em minha janela. Grunhiu de Lua parida a Lua murrida. 
___ Rasga-mortalha? Cruz credo rapagi!
___ Toda vez que ela cantava vi tia Maria enrolada num lençoli branco... Minha tia vai bater a caçuleta. Vai viajar sem chapeli. Esticar o pernil.
___ Ô esse menino! Vira esta boca p’ra lá! Disconjuro, coisa medonha!

O dia foi transcorrendo normalmente naquela Praia. Pai na pesca de arrastão. Filho na escola. Antônio retorna ao entardecer e não encontra o Pai. A noite já deitava o escuro véu e sua mãe demonstrava a aflição.
___ Toinho! Teu Pai que não chega.
___ Deve ter ido à Capitáli.
 ___ Onde se enfiou este hôme... O pirão com peixe esfria e não vem cumê. Arrrrri!
___ Assucega mãe. Rapidinho, rapidinho está arrastando as asinhas aqui.

Dito e feito. O Homem surgiu no umbral da cozinha lívido e gago.

____ Aamômori aaconteteceu uuma dessgraceiira.
____Uiii hôme! Assenta, assenta! Respira fundo. Tu tá arreado. Vou pegá um gregorinho e cafezinho.
____ Uu Tooinho tá em caasa?
____ Afff! Que gagueira é esta? Nunca vi tu assim? Que qui é que houve? Tás me assustando. Vou chamar o Toinho....
____ Uu. Totoinho te concontou uu... sosonho?
___ Não... Que male lhe pringunte? Que sonho hôme?
___ Dedeixa pra lá.
___ Cruz credo hôme! Nem seguraras a caneca direitcho? Pareci azoinado?
___ A Mamaria fifinou. Babateu o trinta.
___ Quemmm? Tua Irmã?
___ Fofoi... se fofoi desta prapra outra. Babateu a cacaçoleta.
___ Virgem Santíssima! Perpértua do Socorro! Vou me assenta. Fiquei bamba das pernas. Toinhoooo.... Toiiiiinhoooo....
___ Que qui foi? Nossa! Vocês dosh estão caídos pelas tabelas. 
___ Assenta....assenta... Aconteceu uma desgraceira...
___ Desgraceira?
___ Tutua Tia desocucupou o boboneco.
___ Uiiiii! Estou todo arrepiado. Que Rasga-mortalha disgramada!
___ Rasga-mortalha? Curuja branca? Isto é côsa de bruxa.

Falou sua mãe. A conversa derramou-se noite adentro. Novo dia. Velório. Choros e Velas. Sepultamento. “Catatumba”. Luto cerrado dias afim. Outono. Inverno.      
     Primavera, florescimento de várias espécies de plantas na Ilha da Mágia. Estação das flores: rosa, girassol, margaridinha, orquídeas - Laelias, jasmim, hortênsia, helicônia, alamanda, clívia, gérbera, hibisco, gazânia, jasmim-estrela, boca-de-leão, crisântemo, frésia, estefânia, narciso, violeta, dedaleira, dama-da-noite, lágrima-de-Cristo... Uma Ilha Santa de Catarina, colorida e perfumada.
                Numa linda e radiante manhã o Sol sorriu. Antônio acorda sobressaltado por um sonho quase real. Novo aviso premonitório. Levanta-se num só pulo e olha-se no espelho ainda com a cara amassada pelo travesseiro. Cabelos cor de fogo em labaredas desgrenhados. Olhos verdes, inchados e ramelentos. Cara de areia mijada ainda mais manchada pelas tufos da barba imberbe e diz para si.   
--- De novo não! De novo não! DE NOVO NÃOOOOOO!

     Gritou a todo pulmões.... Acordou toda a casa, a vizinhança, a Ilha... Seu Pai correu para o lado daquele berro horripilante. Encontrou Antônio em choque diante da imagem paralisada no espelho.

___ Santo Antonio! Que que foi Toinho? Achegue pro braço do véio vem... ôoo fiotinho..., dizimbucha...
___ A Rasga-mortalha Pai. Ela fez poso de  novo...NÃOOOOO! Grunhiu de Lua parida a Lua murrida. 
___ Eita! Vou te levar pro dôtori. Adespôs pra benzedera. Ahhhh guri, meu guri pequeno, que judeiadreira... Mas, que male lhe prigunte? E o sonho?
___ Não quero contar... nem falar... recuso... não, não!
___ Ahhh, Toinho! Deixa de bobaizada. Só um sonho.... Imaginação... Diz logo! Assinsinho pra ficares melhor...
___ Enquanto a Rasga-Mortalha grunhia via tu enrolado num lençoli branco...
___ Curuja disgramada, disgraçada, agourenta, malina. É mandraga, bruxaria. Demonhô! Arrombei-me todo...
___ Me admira de ti acredita em bobaizada desta, num tem?

     Antônio se recompostos no conforto dos braços do pai. O homem marcado, momentos depois tomou chá de sumiço. Para onde foi? Ninguém sabe, ninguém viu. escafedeu-se.
     O manto da noite cobriu a Ilha. Ponteiros do cuco de parede em círculos sem fim, engoliam o tempo.

___ Toinhooooo.... Toinhooooo......
___ Que que foi mãe!
___ Afff! Que dia Toinho... Que dia. E, teu pai que num chega. Já passa da meia noite. A Lua já esta a pino...
___ Assucega mãe, assucega. Estás em tiras. Tarde inteira de choradeira. Notiça ruim chega antes do vento suli. Num instantinho o véio vem arrastar as asinhas pra ti. Vou descansar os sóios, qualquer côsa grita.

Dito e feito. O Homem surgiu no portal literalmente em frangalhos. Em um dia envelhecera dez anos. Magro. Magro não, chupado. Cadavérico, esquálido. Pálido, lívido. Aparência bem adoentada. Indisposto. D’olhos fora de órbita, bastante esquisito e segurando-se pelas paredes.

____ Uiiiii! Que susto hôme? Tás desquarado. Até parece aparência, assombração. Dá o chapéli dá...
___ Amôri tô aparviado, foi o pior dia de minha existença.
___ Cá-de-quê?
___ Acho que vou abotar o pallitó.
___ Ó-lhó-lhó! Ó amôri sagrado! Antão tu achas que teu dia foi pió que o meu?
___ E num foi?
___ Nummmm!
___ Cá-de-quê amôri?
___ O Leiteiro, num tem?
___ Que que tem...
____Morreu home!
Mané das Letras
Enviado por Mané das Letras em 22/06/2011
Reeditado em 06/09/2011
Código do texto: T3051512
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